“Sou um homem bastante idoso. A natureza das minhas ocupações nos últimos 30 anos proporcionou-me um contacto mais do que banal com o que pareceria ser um conjunto de homens interessantes e algo singulares, de quem, até à data, nada foi, que eu saiba, alguma vez escrito – refiro-me aos amanuenses ou escrivães. Conheci muitos deles, profissionalmente e em âmbito privado e, se quisesse, poderia relatar diversas histórias com as quais os cavaleiros de boa índole poderão sorrir e as almas sentimentais poderão chorar. Mas renuncio às biografias de todos os outros escrivães por alguns excertos da vida de Bartleby, que era o escrivão mais estranho que alguma vez vi ou do qual já ouvi falar. Embora eu pudesse escrever a vida completa, nada do género se pode fazer quanto a Bartleby. Creio que não exista material suficiente para uma biografia integral e satisfatória deste homem. Isso é uma perda irreparável para a literatura. (…)
É, obviamente, uma parte indispensável dos afazeres de um escrivão verificar a precisão da sua cópia, palavra por palavra. Quando estão dois ou mais escrivães num escritório, eles ajudam-se mutuamente neste exame, lendo um deles a cópia, com o outro na posse do original. É uma coisa muito aborrecida, cansativa e letárgica. Eu consigo facilmente imaginar que , para alguns temperamentos sanguíneos, isto seria completamente intolerável. Por exemplo, não consigo acreditar que Byron, o fogoso poeta, se teria sentado alegremente com Bartleby para examinar um documento legal de, digamos, 500 páginas, escritas num cursivo miudinho“
Bartleby, o Escrivão – Uma História de Wall Street - in Ficção Curta Completa, Herman Melville (2019). Lisboa: E-Primatur
Bartleby The Scrivener (Movie), Herman Melville 1853
Ficção Curta Completa, de Herman Melville, (E-Primatur, 2019) é um livro que aborda problemas universais “os seus temas, os seus personagens e a sua inspiração são transversais às mais diferentes culturas e fazem dele um dos mais marcantes escritores de língua inglesa.”
Esta edição portuguesa recolhe 21 textos, dos quais mais de metade são, pela primeira vez, publicados em língua portuguesa, dá-nos a conhecer um dos grandes da literatura americana e universal, dando oportunidade ao leitor de ler ou reler contos incríveis, como por exemplo Billy Budd, Marinheiro e Bartleby, o Escrivão, e descobrir o talentoso autor do romance Moby Dick, a sua obra-prima.
Moby Dick (1956): Gregory Peck's best scene
Moby Dick, título que imortalizou Herman Melville, narra a história do capitão Ahab que impõe à sua tripulação a concretização do seu maior desejo – destruir a grande baleia branca, uma história de obsessão e desejo de vingança.
“Herman Melville (1819-1891) foi um dos mais importantes romancistas da literatura norte-americana; foi também contista, ensaísta e poeta, com mais de 30 obras publicadas. Melville, cujo nome qualquer leitor reconhece de «Moby Dick», a história da perseguição à grande baleia branca, nasceu no seio de uma família de grande prestígio, mas com grandes dificuldades económicas, que os pais esconderam a Herman e aos seus sete irmãos. (…) Herman e os irmãos acompanharam os pais para várias cidades americanas sempre que estes tentavam refazer a sua vida, e a sua educação foi feita em diversas escolas. Teve vários trabalhos em escritórios e lojas, e de 1839 a 1844 foi marinheiro embarcado em diversos navios. Nos cinco anos que se seguiram publicou grande parte dos seus livros, inspirados na sua experiência marítima, e viu a crítica e sobretudo o público reconhecer-lhe os méritos. Inicia uma correspondência e amizade profícuas com o escritor Nathaniel Hawthorne e publica a sua obra-prima «Moby Dick» em 1851 (primeiro em Inglaterra e só depois nos Estados Unidos). A partir desses anos, Melville, que casara e planeara viver da escrita, cai no esquecimento do público e até ao fim da vida tem de aceitar diversos trabalhos para sobreviver. Só após a sua morte, e aquando do centenário do seu nascimento, é que a crítica redescobre o autor e o seu génio e Melville passa a integrar o panteão dos grandes nomes das letras universais” in Wook.
The Life of Herman Melville
“Nos tempos anteriores aos navios a vapor, ou então mais frequentemente do que agora, um transeunte que passeasse ao longo das docas de qualquer porto de mar digno de consideração teria a sua atenção ocasionalmete cativada por um grupo de marujos bronzeados, homens de navios de guerra ou marinheiros da marinha mercante em traje de folga, em terra durante uma licença. Em determinadas alturas, estes flanqueriam, ou, à semelhança de uma guarda de corpo, cercariam deveras uma qualquer figura superior à sua própria classe, deslocando-se juntamente a estas como Aldebarã entre as luzes menores da sua contelação. Esse objecto notável era o “ Belo Marinheiro” do tempo menos prosaico das marinhas militares e, igualmente, das mercantes. Sem vestígio perceptível de vanglória nele, antes com a impassibilidade improvisada de uma realeza congénita, ele parecia aceitar a espontânea homenagem dos camaradas de bordo.“
Bill Budd, Marinheiro - in Ficção Curta Completa, Herman Melville (2019). Lisboa: E-Primatur
The Guardian dedica artigo sobre ficção de Herman Melville.
“Não há uma linha dos seus textos que soe a verdade e, no entanto, tudo na sua obra é verdade.”
Joseph Conrad
“Nenhum autor alguma vez conseguiu apresentar ao leitor a realidade como o faz Melville mesmo quando os seus livros são fantasiosos. (…) Melville merece a imortalidade bem mais do que muitos de nós.”
Nathaniel Hawthorne
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