RESUMO
O projeto Histórias em 77 palavras lança regularmente, desde 2011, desafios de escrita com o intuito de estimular a produção de textos e a metacognição na escrita. Tendo como objetivo trabalhar o processo, visa a evolução da escrita através da revisão e reescrita, assim como a descoberta de caminhos originais de produção de texto. A metodologia consiste na transformação da escrita num jogo, de forma a atingir a concentração descontraída necessária para evoluir.
Dos textos recebidos ao longo destes 10 anos, organizados e arquivados cronologicamente e por aluno, é possível perceber como o número de participantes tem aumentado, havendo professores a enviar regularmente textos dos seus alunos. Se se adicionar a experiência presencial em turmas onde se dinamizam oficinas de escrita, percebe-se um entusiasmo e autoconfiança crescentes na resolução dos desafios.
Pretende-se, agora, chegar mais longe, para compreender o impacto da escrita baseada nos desafios na progressão dos alunos, não só relativamente à ortografia, gramática e sintaxe, mas, sobretudo, também quanto à originalidade e criatividade dos textos, e uso do sentido figurado ou metafórico. O presente artigo aborda as premissas e os parâmetros a ter em conta numa abordagem futura de investigação da aplicação destes desafios de escrita, que permitirão uma avaliação concreta e sistemática, inserida no mais recente e abrangente projeto, RE-WORD-IT – Brincar a sério com as palavras. Este projeto pretende devolver ao aluno o entusiasmo e a curiosidade no processo de escrita através da metacognição – o pensamento sobre a escrita –, bem como a autonomia na produção de textos.
ABSTRACT
The 77-word stories project regularly creates writing challenges to stimulate text production. Focused on the process, it aims at the evolution of writing through its refinement and the discovery of individual paths of text production. The applied methodology transforms writing into a game, reaching the relaxed concentrated state essential to improvement.
The texts received over the last 10 years, were organized and archived chronologically per student, allowing us to see that the number of participants has increased, with teachers regularly sending texts from their students. Furthermore, in writing workshops, the in-class experience shows a growing enthusiasm and self-confidence in solving these challenges.
We now aim to understand the impact of writing challenges in student’s progression, not only in relation to spelling, grammar and syntax, but also in terms of originality and creativity, and use of figurative and metaphorical meaning. This article addresses the premises and parameters to be taken into account in a future research approach to the application of these writing challenges that will allow a concrete and systematic assessment, inserted in the most recent and comprehensive project, RE-WORD-IT - Playing seriously with the words. This project aims to return to the student the enthusiasm and curiosity in the writing process through metacognition - thinking about writing -, as well as autonomy in text production.
PALAVRAS-CHAVE
desafios de escrita, criatividade, reescrita, metacognição
KEYWORDS
writing challenges, creativity, re-writing, metacognition
NOTA CURRICULAR DAS AUTORAS
Margarida Fonseca Santos foi professora de Pedagogia e Formação Musical no ensino artístico. É escritora, com muitos livros publicados, a maioria na área infantojuvenil, estando uma grande parte incluída no Catálogo do Plano Nacional de Leitura (PNL2027). Dinamiza oficinas de escrita, sendo responsável pelo blogue Histórias em 77 Palavras. Dos seus títulos destacam-se De Nome, Esperança (romance, 2011), AltaMente (treino mental, 2005) e a coleção A Escolha é Minha (juvenil). Integra o Projeto Re-Word-It – Brincar a Sério com as Palavras, onde se trabalha a escrita, a leitura, a atenção e a metacognição. Publicou Razões para Escrever e, em co-autoria, os dois livros Razões para Ler, de histórias metafóricas.
Isabel Peixeiro integra a equipa Re-Word-It, onde atua como mediadora e formadora de leitura e escrita para crianças, jovens e adultos. Doutorada em Bioquímica e Genética Molecular e certificada em Inteligência Emocional e Social, colabora no desenvolvimento de materiais didáticos para estimular a motivação e o envolvimento dos alunos na aprendizagem. Dedica-se ainda à curadoria de livros infantojuvenis no Kit Literário e é coautora dos livros de metáforas Razões para Ler, 1 e 2, incluídos no Catálogo do Plano Nacional de Leitura (PNL2027).
HISTÓRIAS EM 77 PALAVRAS: DA TEORIA À PRÁTICA
O blogue Histórias em 77 palavras nasceu como consequência do trabalho da sua autora (Margarida Fonseca Santos) enquanto formadora e professora de Escrita Criativa. Prefere chamar-lhes «desafios de escrita», para se distanciar de cursos que defendem receitas para a escrita, visto não ser esse o objetivo deste trabalho. No blogue, o objetivo é motivar para a escrita, entendida como uma parte da vida de qualquer um. São lançados desafios a cada dez dias, permitindo uma atividade regular e diversificada aos participantes que permanecem ligados ao blogue ao longo do tempo. O blogue Histórias em 77 Palavras constitui, então, uma base de dados de exercícios variados. Com participantes de idades compreendidas entre os 6 e os 101 anos, a chegada de textos por dia varia entre os três e as várias dezenas, dependendo da chegada ou não de textos oriundos das escolas. Os desafios permitem trabalhar a escrita, e as participações das escolas são enviadas por professores que utilizam os desafios nas suas aulas ou nas oficinas de escrita criativa, embora por vezes sejam os próprios alunos a enviar os seus textos.
Para apoiar e motivar os professores que ao blogue aderem, foi construída e alimentada, durante um certo período, uma página de apoio aos professores (77palavras.margaridafs.net). Esta surgiu na sequência de ações de formação lançadas a convite do PNL2027, tendo abrangido um total de sete locais distintos no país. Contudo, a existência desta página permitiu e ainda permite a utilização dos mesmos materiais aos professores que não tenham frequentado a formação. Ali eram sugeridos desafios para cada mês, com objetivos pedagógicos distintos, e encontrava-se explicada a filosofia e o modo de pôr em prática esta dinâmica de escrita baseada nos desafios. A página continua ativa, embora não estejam a ser adicionados novos documentos de apoio. Esta decisão prende-se com o facto de permitir, a cada novo professor que consulte a página, seguir as estratégias anteriormente lançadas de forma cronológica, ficando depois autónomo para continuar a utilizar o material do blogue livremente, pois acredita-se que um professor motivado para propor um determinado desafio será mais bem-sucedido do que aquele que apenas segue instruções.
Pretende-se, igualmente, esclarecer os professores acerca do funcionamento do bloqueio cerebral e o efeito motivador do jogo na prática letiva (Goleman & Senge, 2014). Cada vez mais se torna necessário saber fazer face ao bloqueio de pensamentos que ocorre em sala de aula nos momentos de stresse, entender esse mecanismo e aprender a antecipá-lo de forma a impedir que avance para níveis mais intensos (Fonseca Santos, 2015; Goleman, 2016).
Os desafios propostos no blogue são de dois tipos: de desbloqueio – entre os quais se inserem aqueles com limitações ou imposições de letras e/ou de palavras – e de construção de texto – uns partindo de frases ou citações de autores, outros de ideias ou imagens. Os desafios de desbloqueio servem para levar os alunos a entrarem em modo de jogo ― uma forma descontraída de atingir elevados níveis de concentração, motivação e prazer, e que se consegue através de constrangimentos de vários géneros (Fonseca Santos, 2015). Podem existir letras proibidas, letras ou palavras obrigatórias que pontuam o texto. O objetivo destes exercícios vai para além da concentração descontraída, pois eles levam cada aluno a procurar caminhos alternativos aos que utiliza habitualmente ao escrever, já que terá de contornar os constrangimentos (Fonseca Santos, 2019). O trabalho regular através destes desbloqueios pretende dotar os alunos de cada vez mais caminhos de escrita e soluções sintáticas não usadas habitualmente. Pretende-se igualmente provocar um alargamento do vocabulário ― seja pela proibição de palavras ou letras, seja pela consciência do ritmo do texto, com cadências obrigatórias (Fonseca Santos, 2019). São exemplos deste tipo de desafios: o reconto de uma história conhecida com uma letra a menos (o que pode levar inclusivamente a substituir personagens e cenários); a utilização do abecedário na ordem certa dentro do texto (sendo obrigatório o uso de letras específicas no início de palavras, que não poderão estar distanciadas por mais de três palavras livres até à próxima palavra de letra obrigatória); e a construção do texto seguindo palavras obrigatórias, com ou sem sequência definida (Fonseca Santos, 2019). A reação dos alunos vai da perplexidade inicial, achando o desafio quase impossível, à vontade de atingir o objetivo, o que, fazendo uso da metacognição, potencia a aprendizagem do valor da motivação intrínseca e o prazer do trabalho realizado.
O segundo tipo de desafios pretende expandir a consciência da construção de textos sem imposições que impliquem alterações de palavras. Podem surgir temas pouco comuns, como o Natal de uma aranha ou um homem intermitente, como podem igualmente ser sugeridas frases retiradas de livros de prosa ou poesia, consolidando a ligação entre a escrita e a leitura. Podem também partir de imagens, de fotografias ou de ilustrações, de ideias ou de contextos. Aconselha-se aos participantes que, ao trabalhar com estes desafios, não contem palavras enquanto escrevem. O melhor processo advirá de escrever mais do que o pedido para depois melhorar o texto, cortando os excessos. Consideramos que o trabalho de reescrita é uma parte integrante do gosto pela escrita, e ao qual nem sempre se dedica o tempo necessário. Nesta fase de melhoramento, pretende-se chegar à edição consciente do texto: são suprimidas as palavras repetidas que não servem o ritmo da narrativa; são eliminadas as palavras usadas sem necessidade, sendo um bom exemplo disto a repetição escusada de preposições ou pronomes possessivos; são clarificadas frases, tornando-as mais simples ou suprimindo-as, decidindo que o seu conteúdo será subentendido. Neste trabalho de revisão do texto, espera-se que o aluno se aproxime mais do gosto pela leitura, estimulando-se a curiosidade em observar, para lá daquilo que narra o livro, a forma como o autor o escreveu. Neste segundo tipo de desafios incluem-se, igualmente, os desafios propostos por entidades dedicadas à escrita e à leitura, como é o caso do PNL2027 e da Rede de Bibliotecas Escolares.
1. UMA PRIMEIRA ABORDAGEM
Os textos recebidos que respeitem as regras de cada desafio são publicados no blogue, fazendo referência ao aluno (apenas o nome próprio), à cidade e, se for o caso, ao professor da turma e à escola. São igualmente recebidos textos espontâneos de crianças e jovens em idade escolar, como já foi referido, e de adultos, na sua maioria, pessoas já reformadas. No caso dos textos enviados pelos professores das escolas, estes advêm da utilização dos desafios nas aulas de Português, como ferramenta para trabalho para casa e, igualmente, como atividade nos clubes e bibliotecas escolares. No caso de outras disciplinas (e.g. em Biologia ou História), os textos em 77 palavras surgem como resumos da matéria dada, obrigando a sintetizar conhecimentos, separando os mais importantes de cada módulo dos acessórios, revendo, nesse trabalho, a matéria aprendida. Estes exercícios, estima-se, obrigam a manter o foco de atenção na qualidade do texto, especificamente no «como se explica ao escrever», não se limitando por isso a aceitar uma primeira versão pouco trabalhada (Fonseca Santos, 2019).
Pretendia-se lançar um olhar sobre estas participações de modo a averiguar qual o impacto na capacidade e motivação para a escrita dos grupos que trabalham de forma sistemática com estes desafios.
Os resultados são arquivados por escola, professor e turma, e depois por aluno, individual e cronologicamente. Contudo, aqui surge um dos problemas que se revela impeditivo de uma observação objetiva dos resultados: os textos são enviados já sem erros ortográficos e/ou gramaticais, tendo, portanto, sido modificados pelos alunos, com a supervisão dos respetivos professores, com o intuito de serem publicados no blogue. Em alguns, poucos, casos, é notória a intervenção do professor, ficando os textos com similitudes entre si numa determinada turma, o que, na nossa opinião, não aconteceria se os textos não fossem corrigidos.
Assim, nasceu a primeira decisão quanto à forma de investigar o impacto dos desafios na escrita destes alunos: para que se possa avaliar, futuramente, os resultados, os textos deverão ser analisados sem qualquer correção por parte do professor, podendo-se assim observar fragilidades, pontos fortes, evolução e aprendizagem, bem como um uso mais consciente da criatividade. Isso implica que, como iremos detalhar mais à frente, se faça uma revisão do texto apenas pelo seu autor, propondo as autoras que a revisão aconteça num momento diferente.
Esta conclusão surge depois de escolhido o objeto de observação: uma professora e os seus alunos, e os textos recebidos entre 2017 e 2021, quando os alunos frequentavam os 5.º, 6.º e 7.º anos do Ensino Básico. Uma das características observáveis de imediato nesta professora, Maria Cristina Félix, lecionando na EB 23 Dr. Costa Matos, em Gaia, é a sua paixão pela leitura e pela escrita. O envolvimento da professora no processo, pois muitas vezes envia também o seu texto, faz com que o trabalho seja mais leve e divertido para os alunos, o que é, na nossa interpretação, muito interessante e louvável. Nestas turmas, partindo do material de apoio da página para as escolas, foram propostos aos alunos os desafios de cada mês, e cada um escolheu os que gostaria de utilizar. Importa salientar que a motivação destas turmas levou a que propusessem ao blogue o desafio n.º 200, onde se falaria do centenário do Teatro Nacional de São João, no Porto, instituição que os alunos visitaram, tendo assistido a vários espetáculos. Esta interação direta com o blogue sugere uma motivação clara para utilizar estes desafios de escrita.
Foram, nesta primeira abordagem, escolhidos 24 alunos de várias turmas, sendo o critério usado o facto de terem enviado para o blogue entre 4 e 10 textos, num total de 7 turmas diferentes, num universo de centenas de alunos, tendo, na sua esmagadora maioria, enviado apenas 1, 2 ou 3 textos.
Partiu-se então para a análise do trabalho destes 24 alunos, num total de 144 textos, pretendendo-se aplicar alguns parâmetros como: a originalidade e criatividade na abordagem dos temas, a correção do produto final, o bom uso da ortografia e sintaxe, e ainda a utilização de imagens metafóricas nos textos (Fonseca Santos, 2019). Depois de retirados os elementos que dizem respeito à ortografia e à gramática, já corrigidos antes de serem enviados para observação, chegou-se à conclusão de que, no que diz respeito à presença de metáforas nos textos, estas são predominantemente comparações e personificações. Segundo Ruiz & Vieira (2017), a compreensão das metáforas pelas crianças é mais eficaz quando estas se referem a aspetos físicos ou quando envolvem comparações, estando relacionadas com o que a criança conhece e o seu estádio de desenvolvimento cognitivo.
De seguida, foram aplicados novos parâmetros, que pretendiam medir a originalidade na execução dos vários tipos de desafio, a variedade apresentada na construção frásica e a utilização de elementos como a personificação nos textos. Também aqui, os resultados conseguidos não permitem aferir se há evolução ao longo do tempo, podendo apenas registar-se um ponto que nos parece interessante: quando vistos à luz da diversidade sintática, os textos têm, na sua esmagadora maioria, uma grande multiplicidade de propostas, o que, talvez num estudo futuro, nos leve a poder demonstrar aquilo que sentimos na prática nos nossos workshops, ou seja, que os desafios atuam como motores para a variedade na construção das frases, elevando o interesse dos textos.
Dedicámo-nos, então, a observar a evolução de alunos com necessidades educativas especiais, alguns com apoio escolar, outros sem qualquer apoio. O que mais nos surpreendeu foi a constatação subjetiva de como os desafios foram levados a cabo, partindo, nos primeiros textos, de frases simples e ideias comuns, evoluindo, em alguns textos seguintes, para ideias mais complexas. Porém, quando os textos são observados ao longo do tempo, as oscilações de qualidade não permitem afirmar que houve um crescimento sequenciado, sugerindo que, como é observado nos workshops com estes desafios, nem todos reagem da mesma forma a um determinado desafio ou tema. Por outro lado, visto os desafios serem diferentes de aluno para aluno, observaram-se, em alguns casos, tendências para escolher um ou outro tipo de desafio. É, por isso, necessário estabelecer uma cadência na produção de textos, bem como a inclusão de vários tipos de desafios, para que se possam analisar, em cada aluno, parâmetros como: a) a variação da sintaxe; b) a originalidade das ideias; c) a coerência do texto em 77 palavras; d) a existência de imagens metafóricas; e, por último, e) a existência de texto subentendido. Para que tudo isto possa ser avaliado através do impacto, em metacognição, do texto, consideramos que seria importante que a revisão e reescrita dos textos ocorresse num dia diferente da sua primeira execução, dando tempo ao distanciamento e, assim, chegando a uma forma mais objetiva de revisão do texto.
2. O PASSO SEGUINTE
Acreditamos que a parte mais importante do trabalho está no processo, na construção e reconstrução do texto, trazendo, espera-se, mais prazer à escrita. Segundo Barbeiro, o texto, entendido como produto, não nasce sem o processo de escrita. Depois da investigação, o autor conclui que a reescrita leva a uma recriação do texto e que a ativação do jogo desencadeia a criatividade. Barbeiro refere ainda que a descoberta da linguagem no processo de escrita, levando, por exemplo, à expressividade, deverá mobilizar a dimensão afetiva, o que terá levado os sujeitos do estudo, quando inquiridos sobre as razões para escrever bem, a porem em lugar de relevo «gostar de escrever» (Barbeiro, 1999).
Pereira (2000) refere que o ensino da escrita deve incluir a revisão. Esta deverá ser distanciada do momento de produção do texto e auxiliada por listas ou grelhas de correção (Allal et al., 2004). Assim, será importante não só promover atividades de escrita, mas também fomentar nos alunos o gosto pela análise e revisão dos textos, desenvolvendo competências metalinguísticas que poderão depois ser utilizadas noutras situações de produção de texto (Pereira et al., 2009).
Por outro lado, consideramos que a escrita leva à leitura, o que emerge de um estudo de Graham et al. (2015), onde se demonstra que, ao proporcionar-se mais tempo para a escrita, há um aumento de 14% da compreensão leitora. Ainda segundo Graham et al. (2015), a prática de 45 minutos semanais de escrita altera positivamente a capacidade de escrita, além da destreza na leitura, sendo por isso desejável que esta prática seja realizada sistematicamente.
No mesmo estudo, Graham observou que os professores excecionais de literacia investem na criação de ambientes favoráveis e cativantes para o trabalho sobre a escrita. Destacam-se, assim, as atividades dos professores que permitem o florescimento da escrita em sala de aula: (1) criam ambientes positivos que encorajam o trabalho árduo, promovem a crença dos alunos de que estão a aprender escrevendo e atribuem sucesso aos seus esforços; (2) dão visibilidade à escrita dos alunos, partilhando os textos entre pares, exibindo os trabalhos nas paredes da sala, e publicando-os em livros, antologias ou outros suportes; (3) fomentam um ambiente estimulante, mostrando o seu entusiasmo e gosto em ler os textos que os alunos produzem; (4) desenvolvem rotinas como a escrita colaborativa entre pares, promovendo assim a interação entre alunos; (5) estabelecem altas mas realistas expectativas para os seus alunos e encorajam-nos a ir mais longe nos seus esforços e resultados; (6) adaptam os exercícios e instruções para que estes se alinhem com os interesses dos alunos; (7) mantêm os alunos envolvidos em atividades com significado, discutindo ideias para os seus trabalhos (por oposição a outras menos significantes, como completar uma ficha); (8) encorajam os alunos a agir de forma autorregulada, permitindo que descubram as soluções por si (por exemplo, dando pistas para a correta ortografia de uma palavra, em vez de a soletrarem para que o aluno a escreva) (Graham et al., 2015).
Ao observar a dinâmica e vivência do trabalho das Histórias em 77 Palavras, propusemo-nos alargar os seus objetivos, para que este passasse a envolver mais componentes. Além do trabalho da escrita, pretendemos incluir: a mediação e o trabalho de motivação para a leitura; a utilização da audição interior, ou imagética musical, por outras palavras, a «capacidade de imaginar sons quando eles não estão presentes» (Ruiz & Vieira, 2017), ouvindo na mente as frases que irão ser lidas ou que devem ser memorizadas; o treino mental, fazendo face ao bloqueio por medo e, além disso, o treino da atenção, memória e consolidação de conhecimentos; e, por último, a metacognição aplicada a todas as áreas anteriores, ou seja, o pensamento sobre as estratégias de cada um para aprender e produzir materiais, o pensamento sobre a escrita e a leitura, e o pensamento sobre quais as melhores formas de estudar, memorizar e usar a atenção, de forma individual. Recuperando algumas das preocupações emergentes da atualidade, salienta-se o ensino e a prática continuada da metacognição – a capacidade de pensar sobre o pensamento, a aprendizagem, a construção de textos, etc. Podendo ser apreendida por crianças desde o pré-escolar, pretende-se que traga aos alunos uma autonomia crescente, tomando, desta forma, conta do seu próprio percurso de aprendizagem (Wilson & Conyers, 2016).
Assim nasceu o projeto RE-WORD-IT – Brincar a sério com as palavras, onde as Histórias em 77 Palavras estão agora inseridas. Foi criado com o objetivo de dar resposta a estas necessidades e propõe a abordagem diversificada da leitura e da escrita, feita através de jogos de palavras e de pensamentos; promove a capacidade de gerar ideias, contornando o bloqueio da escrita e fomentando o acesso descontraído a recordações, associações de ideias e abordagens mais criativas. Este trabalho decorre em aulas presenciais em turmas ou pequenos grupos de alunos, tendo sido feito à distância durante a pandemia. Este projeto engloba ainda formação de professores, educadores, animadores e pais interessados em novas formas de ensinar a leitura e a escrita.
Esta visão alargada permite um trabalho de observação dos resultados, trabalhando em diferentes turmas e contextos escolares, que vão da infância à idade adulta, e observando turmas, por definição, heterogéneas. É neste trabalho de proximidade e acompanhamento da evolução dos alunos que analisaremos as nossas ações e o seu impacto no indivíduo no futuro.
3. IDEIAS PARA O FUTURO
As Histórias em 77 palavras têm visto o número de participações a aumentar juntamente com o entusiasmo neste tipo de trabalho. A experiência presencial e em sessões à distância onde são colocados em prática os pressupostos do projeto RE-WORD-IT – Brincar a sério com as palavras permite testemunhar não só um empenho real na resolução dos desafios propostos, como uma autoconfiança e autonomia crescentes. Acreditamos, por isso, que é importante avaliar de forma científica o impacto que tem a escrita baseada nos desafios na progressão dos alunos. Sugere-se que, de futuro, sejam tidas em conta as seguintes premissas:
a) os alunos deverão fazer dois desafios por mês, num total de 4 a 6 por período;
b) esses desafios deverão ser escolhidos de forma a assegurar que, em cada mês, é executado um com constrangimentos (letras impostas ou proibidas, palavras impostas, em sequência ou não) e outro de construção de texto (partindo de ideias, frases, imagens, dando mais liberdade ao uso da criatividade);
c) estes dois tipos de desafios deverão ser submetidos a avaliação em dois grupos separados, visto terem objetivos diferentes;
d) para o grupo de alunos em estudo, os desafios serão os mesmos, respeitando a ordem sugerida;
e) os desafios deverão ser recolhidos e analisados sem qualquer tipo de edição por parte do professor que envia, para que se possa aferir o grau de proficiência linguística, bem como a presença de sentido figurado ou metafórico;
f) deverão ser aplicados inquéritos no início e no final do ano letivo, observando as motivações para a escrita e para a leitura antes e depois do trabalho proposto pelo estudo;
g) os desafios deverão ser organizados e numerados sem a identificação do aluno, para se permitir uma observação menos subjetiva dos textos;
h) a grelha de avaliação dos textos deverá permitir uma descrição minuciosa do percurso de cada aluno;
i) se possível, será valioso avaliar os textos de toda uma turma.
Com a consciência de que a escrita e a leitura andam de mãos dadas, e serão também a base de todas as outras áreas do conhecimento e da vida em geral, seria interessante avaliar também o impacto da aplicação do projeto RE-WORD-IT não só no interesse e nas capacidades envolvidas na escrita e na leitura, mas também na motivação, autoconfiança, capacidade de autorregulação e de autonomia na aprendizagem em geral.
REFERÊNCIAS
Allal, L., Chanquoy, L. & Largy, P. (2004). Revision: cognitive and institutional processes. Springer. doi: 10.1007/978-94-007-1048-1
Barbeiro, L.F., (1999). Os alunos e a expressão escrita. Fundação Calouste Gulbenkian.
Fonseca Santos, M. (2015). Altamente. Edicare.
Fonseca Santos, M. (2019). Razões para Escrever. Nós na Linha.
Goleman, D. & Senge, P. (2014). The triple focus - A new approach to education. More than Sound.
Graham, S., Harris, K. R. & Santagelo, T. (2015). Research-based writing practices and the common core: meta-analysis and meta-synthesis. The Elementary School Journal, 115(4), pp. 498-522.
Pereira, L. (2000). Escrever em português: didácticas e práticas. Edições ASA.
Pereira, L., Cardoso, I. & Graça, L. (2009). For a definition of the teaching/learning of writing in L1:Research and action. L1 – Educational studies in Language and Literature, 9(4), pp. 87-123.
Ruiz, J. & Vieira, M. (2017). Cantem como se estivessem num prado verde, como ar fresco no rosto... - Imagética e metáfora na pedagogia coral infantil. Revista E-Psi, 7(Suplm.1), 3- 17. http://hdl.handle.net/1822/52332
Wilson, D. & Conyers, M. (2016). Teaching students to drive their brains. Teachers College Press.