Página Inicial > Edição 1 > A Ler
Descarregar
PDF 3.71MB
Suspense ou a Arte da Ficção
Suspense ou a Arte da Ficção
Patricia Highsmith

ISBN: 978-989-564-285-4

Edição: março de 2021

Editor: Cavalo de Ferro

N.º de páginas: 144

 

A obra de Patricia Highsmith Suspense ou a Arte da Ficção foi publicada pela primeira vez em 1966. Esgotada há muito nas livrarias nacionais, foi em  março de 2021 – ano em que se comemora o centenário do nascimento da escritora – objeto de reedição em português, numa nova e melhorada tradução (Rita Canas Mendes).

Famosa pelo grande sucesso dos seus thrillers psicológicos, Highsmith (Texas, 1921 – Locarno, 1995) é tida como uma das escritoras modernas mais influentes e celebradas, tendo vários dos seus livros sido adaptados ao cinema.

Neste ensaio, a autora mostra as mãos e os fios que sustentam o suspense e se escondem por trás da escrita de ficção - sem, no entanto, o transformar num manual de instruções. O que faz é sugerir “linhas de abordagem a um livro”, partilhar reflexões baseadas na sua experiência como escritora, por exemplo, de O talentoso Mr. Ripley, O Desconhecido do Norte Expresso ou A Cela de Vidro. Até porque, adianta a autora no prefácio, “Na escrita não há qualquer segredo para o sucesso além da individualidade, a que também podemos chamar personalidade.”

É, no entanto, a “omnipresente possibilidade de fracasso” que torna “a escrita uma profissão viva e empolgante”. Os obstáculos, as pausas, as angústias, as dificuldades, os fracassos fazem parte do processo, ou melhor, são o seu motor – e, como tal, merecem atenção ao longo do livro. Também a rejeição de um manuscrito pelas editoras – “cerca de vinte vezes e não apenas duas ou três” - é partilhada como sendo natural, ultrapassável após um breve período de luto. 

Tratando-se de um livro dirigido a “candidatos a escritores”, são também abordadas abertamente a questão da insegurança financeira (“É avisado um escritor ter outra atividade que lhe permita ganhar algum dinheiro, até ter publicado livros suficientes que lhe garantam um rendimento constante.”) e preocupações de índole comercial, chegando a autora mesmo a sugerir, em alguns casos, a adequação do texto às características do mercado.

Na sua descrição do processo criativo, Patricia Highsmith fala, tal como muitos outros escritores, da necessidade de isolamento: “em geral, o plano da interação social não é o plano da criação, não é o plano em que as ideias criativas pairam. É difícil estarmos atentos ao nosso inconsciente, ou recetivos a ele, quando estamos com um grupo de pessoas”. Quando escreve, também não gosta de discutir o seu trabalho com outros autores, pois “as suas antenas invisíveis estão à espreita das mesmas vibrações no ar”…

E a criação é motivada pelo tédio que sente em relação à realidade, pela monotonia da rotina e dos objetos que a rodeiam. Por isso, sublinha a importância da “surpresa” e da “reviravolta inesperada” (como uma resposta ao tédio).

Como nasce, então, uma história de suspense? As experiências emocionais de quem escreve, mas também as experiências de outros, bem como as palavras de outros, são a fonte de inspiração. Tudo é passível de dar origem a uma ideia inicial – uma “semente” - e esta, a uma história. Muitas vezes, são ocorrências insólitas e coincidências que a conduzem à escrita, são acontecimentos inesperados e menores que a inspiram. 

E se a história é de suspense, “a possibilidade de ação violenta, e até mesmo a morte, está sempre por perto”. A ameaça de perigo e violência física ou perigo e violência física efetivos são o ingrediente essencial de uma história de suspense e “oferecem entretenimento de modo vivo e, geralmente, superficial. Dessas histórias não se esperam pensamentos profundos ou longas passagens sem ação.” No entanto, isso não impede que esses elementos existam, se enquadrados numa “história essencialmente viva”.

O protagonista assassino dessas histórias é, para Patricia Highsmith, o “criminoso simpático”, a quem são atribuídas todas as qualidades possíveis, como, por exemplo, “generosidade, bondade para com algumas pessoas, gosto pela pintura, pela música ou pela culinária.” O contraste das qualidades com os seus traços criminosos ou homicidas é um dos fatores de interesse da personagem.

Mas o leitor encontra em Suspense ou a Arte da Ficção outras reflexões, por exemplo, sobre pontos de vista, diálogos, espaço, ação, sempre apoiadas em exemplos da vasta obra da autora. Desde a semente da ideia inicial até ao momento do “consumo” do livro, são percorridos os caminhos do desenvolvimento da ideia, do delinear do enredo, das várias versões e das revisões, que envolvem esforço intelectual, motivação e convicção, mas não excluem o divertimento, o elemento lúdico: “Talvez as únicas alturas em que não me divirto sejam quando tenho dificuldade em cumprir um prazo rígido.”

Os aspetos abordados ao longo do ensaio são, no final, aplicados à obra A Cela de Vidro, com a qual a escritora confessa ter tido mais dificuldade do que o habitual. Descreve, então, a sua inspiração, as dificuldades em reunir material para o pano de fundo, as contrariedades com os editores, uma rejeição, a aceitação no final e… o filme homónimo.

Muito do que se diz neste ensaio não se aplica apenas à chamada escrita de suspense, de livros policiais ou thrillers, mas, e tal como o subtítulo o sugere desde o início, à arte da ficção em geral. O suspense não é uma categoria, é um elemento que pode estar presente em toda a ficção. E o que Patricia Highsmith faz com verdadeira mestria é manter suspenso o espírito do leitor, que espera, em tensão, algo que vai - ou não - acontecer.

 

Equipa do PNL2027

                                                                                                                                                                                                                                                                        

logo
logo
2020 © Plano Nacional de Leitura