RESUMO
Ao longo dos últimos anos temos assistido, em Portugal, à multiplicação de edições centradas na temática do Holocausto. Esta tendência, relativamente recente no nosso país, aconteceu há mais tempo noutros países em que esta questão está mais presente na memória coletiva e resultou, em boa medida, de um processo de apropriação do tema pela cultura popular. As edições sucedem-se não apenas no plano da historiografia como das representações, nomeadamente ao nível de diferentes expressões literárias: testemunhos, memórias, diários, romances, muitos deles reclamando basear-se em factos reais. Este fenómeno, se é positivo no que resulta de maior notoriedade, conhecimento e compreensão sobre aquilo que se passou, representa também um risco de banalização do tema, de abordagens simplistas, de imprecisões e mesmo de referências e interpretações erróneas, mais graves quando chegam a públicos que não têm conhecimentos suficientes para contextualizar as alusões históricas e distinguir entre ficção e realidade.
Num tempo em que temos presenciado o ressurgir de novas formas de autoritarismo, o recrudescimento de ocorrências de carácter racista, de manifestações de antissemitismo e crimes de ódio, potenciados pela desinformação, pelas falsas notícias e pela superficialidade e efemeridade das redes sociais, é importante conhecer e compreender o que foi o Holocausto como forma de prevenção destes fenómenos, impedindo que algo semelhante se repita. O conhecimento da natureza das edições disponibilizadas ao público leitor permite compreender de que modo se tem construído a memória coletiva sobre o Holocausto, percebendo de que forma as representações literárias são importantes na formação dessa memória.
ABSTRACT
In Portugal, over the last few years, we have been observing the increase of publications on the subject of the Holocaust. This trend, recent in our country, has occurred much earlier in various other countries where the subject is deeply rooted in the collective memory of its peoples and resulted in its embracing by popular culture. These publications have followed one another not only in terms of historiography, but also in terms of different literary languages such as testimonies, memories, diaries, novels, many of them claiming to be based on real facts. This phenomenon, though positive in the way that it results in greater notoriety, knowledge and understanding of the circumstances of the Holocaust, similarly presents a risk of trivialization of the subject, of simplistic approaches, inaccuracies and even mistakes and misinterpretations; this is even graver if such publications grasp audiences who do not own actual background knowledge to properly set the historical allusions and thus distinguish between fiction from reality.
As we are witnessing today the resurrection of new forms of authoritarianism, the upsurge of racist incidents, anti-Semitism and hate crimes, boosted by misinformation, fake news and the shallowness and brevity of social media, it is imperative to acknowledge the Holocaust as a way to avert these phenomena, preventing anything similar from happening again.
Knowledge of the nature of such publications made available to the readers allows the understanding of how collective memories of the Holocaust have been constructed, and emphasize how these literary representations are important in the establishment of Holocaust recollections.
PALAVRAS-CHAVE
holocausto, livro, leitura, história, memória
KEYWORDS
holocaust, books, reading, history, memory
NOTA CURRICULAR DO AUTOR
Professor Bibliotecário do Agrupamento de Escolas de Amares.
Licenciatura em História e Ciências Sociais, Universidade do Minho.
Mestrado em História, Universidade do Minho.
Pós-Graduação em Ciências da Informação, Universidade Aberta.
Curso de Estudos sobre o Holocausto, Yad Vashem, Jerusalém, Israel.
Formador de professores nas áreas da História (particularmente do Holocausto), Didática, Tecnologias e Bibliotecas Escolares.
Coordenação de projetos apoiados pela RBE, PNL2027, Fundação Calouste Gulbenkian e The Olga Lengyel Institute for Holocaust Studies and Human Rights.
Participação em formações sobre o Holocausto em Portugal e no estrangeiro.
Ao longo dos últimos anos temos assistido, em Portugal, à multiplicação de edições centradas na temática do Holocausto ou da Shoá, como, por influência francesa, começa a ser designado entre nós o processo de perseguição e morte de 6 milhões de judeus europeus, cometido pelo regime nazi da Alemanha e seus colaboradores, entre 1933 e 1945. Tendo-se assinalado, no último ano, 75 anos do fim da II Guerra Mundial e da libertação dos campos de concentração e morte instalados por toda a Europa pelos nazis, as publicações proliferaram com diferentes registos, demonstrando um correspondente interesse do público leitor. Esta crescente curiosidade pela matéria vem na linha do que já vinha a ocorrer, há mais tempo, noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos e nos países da Europa onde este tema é historicamente mais sensível.
O Holocausto constitui um momento fundamental da História mundial: pelo seu carácter genocidário, pelo número de vítimas que provocou e pela natureza destas, pelo propósito e pela natureza do processo de eliminação que foi implementado, tornou-se, enquanto tragédia sem paralelo, num acontecimento referencial da contemporaneidade. O genocídio nazi provocou a morte de dois terços dos judeus europeus, a fuga de centenas de milhar e, o que é muitas vezes esquecido, a destruição de uma vibrante cultura milenar, com língua própria, o ídiche, com expressões diversas no plano artístico, literário e religioso e com raízes profundas em muitas comunidades europeias de onde foram originárias figuras de destaque – Marx, Freud, Kafka, Proust, Einstein, Mendelssohn, entre muitos outros - que marcaram indelevelmente a nossa sociedade e cultura [1]. A violência nazi não foi orientada exclusivamente contra os judeus, e outros grupos – roma e sinti, homossexuais, Testemunhas de Jeová, deficientes, adversários políticos (comunistas, sociais-democratas e outros), polacos russos e nacionais de tantos outros países – foram também alvos particularmente atingidos pelas práticas de perseguição e aniquilamento decorrentes da ideologia racista nazi.
O fenómeno de erupção, no panorama editorial português, de livros sobre a Shoá revela um crescente interesse dos leitores no tema e coloca novos desafios aos mediadores de leitura. Basta fazer uma pesquisa nos catálogos ou uma ronda pelas livrarias para constatarmos a dimensão do fenómeno e, mesmo nos escaparates dos hipermercados, estes livros são colocados em destaque como qualquer outro produto de consumo. Num mercado livreiro de pequena dimensão como o português, não deixa de ser extraordinária a quantidade de títulos publicados e, particularmente, o sucesso de alguns. A obra O tatuador de Auschwitz (Morris, 2018), da neozelandesa Heather Morris, teve várias edições e milhares de livros vendidos, tendo-se mantido semanas consecutivas nos tops de livros mais procurados, à semelhança de outros países, onde vendeu mais de 4 milhões de cópias. Auschwitz parece ser a palavra mágica para garantir um sucesso editorial: só de memória, registo obras que ali colocam os bebés, a rapariga, o rapaz e o rapaz que seguiu o pai, as irmãs, as gémeas, a bailarina, o farmacêutico, o voluntário, a bibliotecária, o fotógrafo, o tatuador, o carteiro, a última testemunha, o sabotador, o mágico e ainda a orquestra, o violino, a sonata, as cartas perdidas, o último caminho e tantos outros títulos que chamam a atenção e o interesse do consumidor leitor.
Assistimos mesmo, há alguns meses, a uma rara polémica nos nossos meios literários. Seguindo o pendor do mercado, José Rodrigues dos Santos, um dos autores portugueses com maior sucesso de vendas, percebeu onde estava o filão e, de uma assentada, lançou não um, mas dois livros sobre o tema: O mágico de Auschwitz (Santos, 2020a) e O Manuscrito de Birkenau (Santos, 2020b), anunciados como reveladores da Shoá como nunca antes fora mostrada. As obras deram lugar a uma interessante controvérsia entre o autor, a historiadora Irene Flunser Pimentel[2] e o escritor João Pinto Coelho[3], entre outros, em que foram esgrimidos argumentos não apenas sobre o rigor histórico dos livros, mas também acerca da natureza e características das representações do Holocausto, um debate recente em Portugal, mas com longa tradição noutros países e contextos.
O interesse pelos livros ou filmes relacionados com a Shoá segue uma tendência procedente dos Estados Unidos e que se tem alastrado internacionalmente. Resulta, em boa medida, de um fenómeno de apropriação do tema pela cultura popular, estimulada pelos muitos livros publicados, mas sobretudo pelos filmes de Hollywood e séries de televisão, que alcançaram públicos mais vastos. Em vários casos, estas obras foram acompanhadas de polémicas, sobretudo entre especialistas, mas que, por vezes, extravasaram para a opinião pública, ganhando contornos mediáticos. O debate questiona a fronteira entre história e ficção e os limites, e até a admissibilidade, da representação do Holocausto. Ao longo destes mais de setenta e cinco anos, a história do Holocausto foi sendo construída em paralelo com diferentes formas de representação, de ficção, poesia, teatro, memórias literárias, cinema e séries de televisão ou obras de arte.
Esta multiplicidade de registos testemunhais, historiográficos e ficcionais tem sido fundamental na construção da memória do Holocausto. Para começar, tenhamos em linha de conta a existência de uma prolixa literatura que documenta as atrocidades perpetradas pelos nazis e a sua magnitude. Os testemunhos são múltiplos e ricos, permitindo compreender a diversidade de situações de sofrimento das vítimas. Durante muito tempo foram subvalorizados na produção historiográfica, mas são particularmente relevantes para compreender a heterogeneidade de situações vividas por diferentes pessoas, em diferentes contextos, momentos e lugares.
O conhecimento histórico evoluiu enormemente ao longo dos anos, desde o final da guerra. Durante muito tempo, o olhar dos historiadores esteve enquadrado em duas grandes correntes historiográficas. Por um lado, uma visão intencionalista, resultante em parte dos julgamentos do final da guerra, que defendia a ideia de que o Holocausto, na sua origem, teve um plano arquitetado pelos nazis antes de chegarem ao poder e que Hitler, figura central neste projeto, e o seu círculo de poder se inscrevem numa genealogia de líderes autoritários alemães, com ideias antissemitas, que tiveram como corolário o nazismo e a solução final para os judeus. O Holocausto teria sido, assim, um processo minuciosamente planificado e organizado e que teria resultado de uma decisão tomada pela cúpula do regime nazi, encabeçada por Adolf Hitler.
Posteriormente, a esta perspetiva foi contraposta uma visão funcionalista, que olha para a política criminosa do nazismo não como um programa previamente planificado, mas enquanto algo que surgiu face às circunstâncias e à competição interna entre os hierarcas do partido e a burocracia do estado nazi, produzindo uma radicalização cumulativa do sistema que, por sua vez, levou a consequências que ninguém previra.
O historiador norte-americano Daniel Goldhagen, no seu livro Os carrascos voluntários de Hitler (1999), foi mais longe e defendeu que uma parte substancial dos civis alemães apoiaram a perseguição e eliminação dos judeus ou, no mínimo, foram indiferentes ao seu destino. Estas teorias retiram Hitler da centralidade do debate sobre o nazismo e o Holocausto. Ian Kershaw, o seu mais conhecido biógrafo, chama a atenção para o facto de esta visão do Führer como líder todo-poderoso, controlando tudo e todos, ser, em grande parte, herdeira da propaganda que o regime criou sobre a sua figura e que é dele a responsabilidade moral decorrente da sua “autoridade carismática” (Kershaw, 2015, pp. 33-45).
As duas perspetivas, que durante muito tempo se antagonizaram (Friedländer, Reflexões sobre o Nazismo, 2017), estão hoje mais diluídas, aproximando-se em diversas matérias[4]. Nos últimos anos, milhares de estudos têm sido publicados por todo o mundo e novas linhas de investigação têm surgido. A queda dos regimes comunistas no leste da Europa permitiu novos olhares sobre os arquivos, os testemunhos e a história dos judeus nos territórios onde residia o maior número de vítimas da Shoá. Isto não significa que muitas questões não continuem a necessitar de respostas e que estas não sejam, por sua vez, motivo de novas problematizações, de novas polémicas e também de novas ameaças à liberdade intelectual dos historiadores, como aconteceu recentemente na Polónia[5].
A diversidade de testemunhos que hoje estão ao nosso dispor para leitura são indispensáveis para compor a memória e a história da Shoá. Em primeiro lugar, os escritos durante os anos de guerra, por pessoas que viviam em diferentes locais da Europa, em contextos sociais e económicos diversos e que passaram de forma desigual por esta experiência de terror, que as conduziu, em muitos casos, à morte. Há depois uma multiplicidade de registos estabelecidos por sobreviventes depois de a guerra ter terminado, alguns logo após os acontecimentos e outros bastante mais tarde. Por fim, têm surgido registos elaborados por descendentes ou estudiosos do tema que organizam, em diferentes formatos, os testemunhos de sobreviventes, naquilo que poderemos designar como uma pós-memória.
De entre os primeiros, alguns revelam a particularidade de terem sido efetuados com o propósito de testemunhar e perpetuar – antecipando o destino – a memória do sofrimento vivido pelas vítimas e pelas comunidades judias. O exemplo paradigmático destes testemunhos é o registo organizado, no gueto de Varsóvia, por Emmanuel Ringelblum, a partir de 1940. Sob a forma de cartas, apontamentos e notas, Ringelblum, ele próprio um historiador, foi redigindo um verdadeiro diário com informações diversas sobre a vida no gueto, mas também registos das notícias que ia recebendo de outros locais. Paralelamente, organizou uma rede secreta - Oneg Shabat [6]- que recolhia depoimentos, cartazes, diários e outros documentos testemunhando o terrível quotidiano do gueto. Estes materiais foram enterrados dentro de latas de leite e, encontrados parcialmente depois da guerra, cumpriram o seu propósito, sendo claro que Ringelblum e os seus colaboradores estavam perfeitamente conscientes da importância da arriscada missão que se propunham. Desta forma, temos de olhar para estes e outros registos como uma forma de resistência àquilo que estavam a viver. Em junho de 1942, tendo tido conhecimento que a BBC noticiara o que se passava com os judeus polacos sob domínio nazi e alertado para todo o seu sofrimento, Ringelblum regista:
A nossa equipa cumpriu uma grande missão histórica. Conseguiu alarmar o Mundo sobre a nossa sorte, e salvou possivelmente centenas de milhares de judeus polacos do extermínio. (Naturalmente, só o futuro próximo poderá dizer se este último ponto é verdadeiro). Ignoro quem sobreviverá na nossa equipa, quem será julgado digno de trabalhar com os materiais que reunimos, mas pelo menos uma coisa é clara para nós: os nossos sofrimentos e trabalhos, a nossa fé, apesar do terror constante, não foram inúteis. (Ringelblum, 1964, pp. 317-318)
Outros depoimentos foram concretizados durante estes anos de perseguição, condicionamento e confinamento dos judeus europeus, sobretudo no leste do continente. Os mais comuns assumiram a forma de cartas e diários, de que o de Anne Frank (Frank, 1982) é o mais conhecido, tendo sido durante muito tempo a obra emblemática do Holocausto. Hoje, são já muitas as edições com estes textos que resistiram às contingências da guerra e que constituem, ao mesmo tempo, poderosas histórias de vida, relevantes fontes históricas, e, em vários casos, valiosas obras literárias ou filosóficas. O singular e sensível Diário (1941-1943) (Hillesum, 2009a) de Etty Hillesum, uma judia holandesa deportada e morta em Auschwitz, em 1943, é, deste ponto de vista, exemplar. Estudiosa de Rilke, Tolstói, Dostoiévski e do pensamento de Santo Agostinho, o diário – tal como as suas Cartas (Hillesum, 2009b) – é um documento notável, que acompanha não apenas a situação dos judeus da Holanda ocupada, mas também a sua reflexão intelectual, o seu despertar espiritual e a aproximação ao Cristianismo:
O viver e o morrer, o sofrimento e a alegria, as bolhas nos meus pés gastos e o jasmim atrás do quintal, as perseguições, as incontáveis violências gratuitas, tudo e tudo em mim é como se fosse uma forte unidade, e eu aceito tudo como uma unidade e começo a entender cada vez melhor, espontaneamente para mim, sem que ainda consiga explicar a alguém, como é que as coisas são. (Hillesum, 2009a, p. 217)
Estes textos, ao acompanharem as considerações e o quotidiano dos autores, aproximam-nos do seu percurso singular, mas permitem-nos também compreender o que muitos outros pensariam e sentiriam. Hélène Berr, uma jovem parisiense, nascida numa abastada família judia, que morreu em Bergen-Belsen, em 1945, deixou-nos um dos depoimentos mais pungentes do que era o dia a dia de uma jovem de 20 anos, a idade de todos os sonhos, e da forma como evoluiu o seu estado de espírito entre 1942 e 1944. E, se nas primeiras entradas encontramos uma jovem alegre e privilegiada, que reparte o seu tempo entre a Sorbonne e o Quartier Latin, entre família e amigos, aos poucos vemos como vai ganhando consciência da sua condição de judia. O momento da obrigação de uso da estrela amarela, em junho de 1942, que considera uma infâmia, é impressivo:
Mas se soubessem a crucificação que representa para mim. Sofri, lá, nesse pátio da Sorbonne cheio de sol, no meio de todos os meus camaradas. Pareceu-me que de repente deixara de ser eu própria, que tudo estava mudado, que me tinha tornado estrangeira, como se estivesse em pleno num pesadelo. Via à minha volta vultos conhecidos, mas sentia a pena e o assombro em todos. Era como se tivesse uma marca de ferro em brasa na testa. (Berr, 2008, p. 50)
Outros diários permitem-nos olhares cruzados sobre o que se passou na Europa daqueles anos: Mary Berg (Berg, 2015), no gueto de Varsóvia, favorecida, apesar de tudo, pelo seu estatuto económico e por ter mãe americana, conseguiu escapar da morte, indo, por Lisboa, para os Estados Unidos; o breve diário de Rutka (Laskier, 2007), uma adolescente de 14 anos que, durante alguns meses do início de 1943, descreve o seu quotidiano no gueto de Bedzin, antes de ser enviada para a morte em Auschwitz; o recentemente editado diário de Renia (Spiegel, 2021), uma rapariga de 15 anos residente em Przemysl, no leste da Polónia, e que, em janeiro de 1939, começa a registar os seus estados de espírito, os seus amores e esperanças adolescentes, a sua poesia, mas também o quotidiano cada vez mais difícil, com o início da guerra, a ocupação soviética e a chegada dos alemães, em 1941, que a conduzirá à morte um ano depois.
A maior parte destes diários, que têm em comum o facto de serem redigidos por raparigas ou jovens mulheres, trazem-nos uma forte proximidade emocional que acompanha os acontecimentos descritos, sem a mediação do tempo que testemunhos posteriores apresentam. Trata-se de uma opção editorial, uma vez que existem importantes registos feitos por homens, nunca publicados em Portugal: o de Chaim Kaplan (Kaplan, 1999), diretor de uma escola hebraica de Varsóvia e que, de 1933 até agosto de 1942, antes de ser enviado para Treblinka, onde é assassinado, manteve um pormenorizado registo com reflexões sobre o destino dos judeus, sendo um dos mais significativos, também, enquanto exemplo de testemunho de resistência; Adam Czerniakow, o presidente do Conselho Judaico do gueto de Varsóvia, deixou um circunstanciado diário (Czerniakow, 1999) registando muitos aspetos institucionais e muitos dos terríveis dilemas com que se confrontou e que o levaram ao suicídio em 23 de julho de 1942; o grandioso diário de Victor Klemperer (Klemperer, 1999), professor universitário em Dresden, judeu alemão assimilado e convertido ao protestantismo, que detalha em milhares de entradas o contexto político e social da Alemanha nazi e o quotidiano dos judeus alemães perseguidos até à morte, de que escapou milagrosamente.
Compreensivelmente, são raros os testemunhos feitos nos campos de concentração e morte, uma vez que a vigilância era apertada e as condições para escrever eram difíceis, a começar pela falta de material para escrita. Há vários exemplos de verdadeiros milagres que constituem exceções, mas, tirando o caso de Therezinstadt, na maior parte das situações o que restou foram pequenos e dispersos registos de vária ordem.
Situação bem diferente ocorre com as memórias, ou seja, com os depoimentos escritos em fase posterior aos acontecimentos e situações narradas. Os textos memoriais são, desse ponto de vista, muito reveladores, na medida em que resultam da forma como os seus autores encaram o sofrimento passado e procuram afastar os traumatismos e a dor provocados. Muitas vítimas só muitos anos mais tarde conseguiram revelar os seus sofrimentos e, em alguns casos, a verdade só foi descoberta após a sua morte e divulgada pela geração posterior. A extraordinária novela gráfica Maus (Ratos), de Art Spiegelman (Spiegelman, 2014), é um retrato exemplar da forma como pode ser doloroso, para um sobrevivente, o processo de recuperação da memória. Na obra de banda desenhada, mas que também é biografia, autobiografia, história e ficção, o autor cruza em dois tempos: o passado, narrando a vida do pai na Polónia ocupada, e o presente, em que se encontra com o pai para obter dele o relato de uma época que procurara esquecer. Nesta história magistralmente contada pelo filho, os judeus são retratados como ratos e os alemães como gatos, numa linguagem imagética próxima das fábulas, num registo cru e até cáustico do horror do Holocausto.
No entanto, muitas foram as vozes que se fizeram ouvir e ler, desde os primeiros tempos, por vezes mesmo antes de a guerra acabar. Chil Rajchman (Rajchman, 2009), um dos raros sobreviventes de Treblinka, fugitivo na revolta de agosto de 1943, registou logo de seguida os dez meses passados naquele campo de morte. Começa dizendo:
Os vagões tristes transportam-me para este lugar. Vêm de toda a parte: de leste e de oeste, do norte e do sul. De dia como de noite, em todas as estações: Primavera, Verão, Outono, Inverno. Os comboios chegam lá sem percalços, incessantemente, e Treblinka prospera a cada dia que passa. Quantos mais chegam, mais Treblinka consegue absorver. (Rajchman, 2009, p. 21)
E termina proclamando:
Sim, sobrevivi e sou livre, mas para quê? Muitas vezes faço a mim próprio esta pergunta. Para contar o assassínio de milhões de vítimas inocentes, para dar testemunho do sangue inocente, derramado por esses assassinos. Sim, sobrevivi para dar testemunho desse grande matadouro: Treblinka.
Esta ideia do testemunho como forma de recuperar o significado depois de tudo o que tinham passado é um propósito fortíssimo para a maior parte das memórias dos sobreviventes. É uma ideia bem vincada no “nunca mais esquecerei”[7] de Elie Wiesel (Wiesel, 2003) ou no “repeti-as aos vossos filhos”[8] de Primo Levi (Levi, 2014), dois sobreviventes que viveram o inferno dos campos de morte e que não desistiram, no resto das suas vidas, de falar, de escrever, de alertar, colocando a luta contra o esquecimento, a proteção da memória do Holocausto, como um imperativo ético.
Para aqueles que tinham sobrevivido não era fácil enfrentar o passado e os seus fantasmas, encontrando significado e conforto, procurando construir uma memória coletiva contra o esquecimento natural que a dor e, tantas vezes, a culpa impunham.
Obviamente que a natureza destes testemunhos evolui à medida que o próprio conceito de Holocausto se vai formando e vai mediando não só a historiografia, mas a própria memória dos sobreviventes. As obras de Primo Levi, por exemplo, que têm um forte cunho memorial, são exemplo disso. Assim Foi Auschwitz (Levi, 2015, pp. 17-49), por exemplo, reproduz o relatório que, na primavera de 1945, os soviéticos lhe pediram e que redigiu com o seu amigo sobrevivente, o médico Leonardo de Benedetti. É um depoimento despojado, descritivo e mais linear do que os seguintes, mesmo em relação a Se isto é um homem, publicado pela primeira vez em 1947. O próprio Levi refletirá mais tarde sobre isto quando escreve que "(...) a fractura que existe, e que se vai alargando de ano para ano, entre as coisas como eram “lá” e as coisas como são representadas pela imaginação corrente, alimentada por livros, filmes e mitos imprecisos” (Levi, 2008, p. 157).
Com o passar do tempo, houve uma tendência para uniformizar a memória do Holocausto, esquecendo a riqueza e a particularidade que cada depoimento encerra. Existem, entre nós, alguns testemunhos de sobreviventes não judeus, como é o caso de Robert Antelme (Antelme, 2003) e Charlotte Delbo. Escritora francesa, presa pela polícia nacional e entregue à Gestapo, enviada para Auschwitz, Charlotte Delbo vai, vinte anos depois, começar a recuperar a memória de sobrevivente. No final de 2018, passando quase despercebida, surgiu pela primeira vez em Portugal uma edição do extraordinário livro Auschwitz e depois (Delbo, 2018). A edição é composta por três textos: Nenhum de nós há de voltar (1965), Um conhecimento inútil (1970) e Medida dos nossos dias (1971), num registo impressionista no primeiro texto, com pequenas cenas, retratos, poemas e contos no segundo e com um assento mais reflexivo no último.
A produção historiográfica, durante muitos anos, desconsiderou estes testemunhos, valorizando sobretudo documentos administrativos e institucionais, normalmente produzidos pelos perpetradores. Muitos historiadores consideram que as memórias são fontes condicionadas quer pelo tempo, que provoca esquecimento e confunde circunstâncias, lugares e momentos, quer pela influência que a memória coletiva e o próprio conhecimento histórico tem nos sobreviventes. Saul Friedländer (Friedländer, Reflexões sobre o Nazismo, 2017, p. 76) salienta que Raul Hilberg, um autor incontornável do Holocausto com a sua obra A destruição dos judeus (Hilberg, 2005), recusava, por isso, qualquer utilização de memórias ou mesmo de diários. O próprio Saul Friedländer, que usou diários na sua obra principal (Friedländer, 1998) (Friedländer, 2008), concorda com as reservas relativamente às memórias por considerar que o tempo coloca condicionamentos inultrapassáveis.
No limite, pode-se pôr em causa a autenticidade destes testemunhos com argumentos reforçados, com situações como a que aconteceu no caso de Binjamin Wilkomirski. Em 1995 publica um livro (Wilkomirski, 1998) resgatando a sua infância durante os anos do Holocausto. Veio a comprovar-se depois que o livro, que teve traduções em várias línguas e ganhou importantes prémios em diferentes países, se baseava numa falsa identidade do autor e da história de vida que relatava. O caso reacendeu o debate acerca do valor dos testemunhos como fonte válida para a história da Shoá, sendo também utilizado como argumento por parte de negacionistas do Holocausto.
A magnitude da devastação que o Holocausto significou pôs em causa os alicerces da nossa civilização, sendo que se chegou a questionar a possibilidade de encontrar formas de representação do que se tinha passado. O filósofo alemão da Escola de Frankfurt Theodor Adorno (Adorno, 2003) proclamou, em 1949, que escrever um poema depois de Auschwitz era bárbaro e que isso corroía também o conhecimento das razões pelas quais seria impossível escrever poemas. No fundo, questiona a possibilidade de representar a maldade, o horrível, através de expressões supremas de beleza, nas artes, na poesia ou noutras formas literárias. Mesmo que esta ideia seja relativizada, ela não deixou de marcar o pensamento sobre o tema.
A verdade é que as representações do Holocausto se confundem tantas e tantas vezes com os testemunhos memoriais, e a literatura criativa, seja sob a forma de poesia, ficção ou memória literária, começou a emergir desde os primeiros momentos do pós-guerra. Exemplo disso foi a publicação, logo no início de 1946, de uma obra intitulada Nós estivemos em Auschwitz (Borowski, 2000): tratava-se de um conjunto de escritos de três autores polacos que se identificavam com os seus nomes e com os seus números de prisioneiros em Auschwitz: 6643 Janusz Nel Siedlecki, 75817 Krystyn Olszewski e 119198 Tadeusz Borowski. Embora surgida como obra coletiva, o contributo fundamental é, reconhecidamente, o de Tadeusz Borowski, poeta e escritor não judeu, o único, aliás, que vai manter atividade literária até à sua morte, por suicídio, em 1951. O registo escrito, feito muito pouco tempo depois dos acontecimentos, tem ao mesmo tempo um carácter memorial e documental – bem notório no glossário – sobre diversos aspetos de Auschwitz e da sua evolução ao longo dos anos. Mas, particularmente nos textos de Borowski (que incompreensivelmente nunca foi editado em Portugal), é patente não apenas uma distinta linguagem literária, mas uma ironia de alguém que procura recuperar psicologicamente depois do trauma vivido, numa demanda filosófica sobre o campo. Entre os textos está o conto “Por aqui para o Gás, Senhoras e Senhores”, que vai ser republicado posteriormente com outros de Borowski, e que condensa a experiência moralmente entorpecedora de alguém que vive um quotidiano de terror e de indiferença na luta pela sobrevivência.
Recentemente, a profusão de títulos sobre o tema, abusando do nome Auschwitz, dificulta a seleção das obras mais interessantes, quer do ponto de vista memorial, quer do ponto de vista literário e ficcional. Aliás, a ténue fronteira entre realidade e imaginação dificulta, muitas vezes, a classificação destas obras que se apresentam “baseadas em factos reais”. Esta poderá ser considerada uma linha distintiva da que é já denominada como “literatura do Holocausto”, uma ficção histórica que acompanha de perto acontecimentos reais, integrando situações e diálogos imaginários, criando uma narrativa mais ou menos credível e um enredo apelativo para os leitores. À medida que os últimos sobreviventes vão desaparecendo, o testemunho é, cada vez mais, expresso por outras vozes, de segunda e terceira geração, e em que a marca da autenticidade se torna mais difícil de distinguir.
Sendo impossível fazer uma referência exaustiva a muitos dos títulos editados em Portugal, opto por registar uma lista de 10 livros que, além dos anteriormente referenciados, merecem, na minha opinião, ser propostos para uma leitura. Na sua diversidade, provam que a ficção é uma opção válida para consolidar a memória do Holocausto, não dispensando, no entanto, a necessidade de contextualizar a imaginação com o conhecimento histórico.
- O Último Justo, de André Schwarz-Bart (Schwarz-Bart, 1960), uma das obras alegóricas mais expressivas sobre o Holocausto, evoca a história de uma família judia no quadro de uma tradição talmudista. Ernie Lévy, o último dos justos, é deportado para Drancy e para Auschwitz, onde é morto num forno crematório.
- Ver: Amor, de David Grossman (Grossman, 2014), uma obra densa, imaginativa e envolvente, que representa exemplarmente o olhar do autor sobre o Holocausto, colocando em várias situações e personagens aquilo que ele próprio tinha presenciado na sua infância e juventude numa família de sobreviventes.
- A zona de interesse, de Martin Amis (Amis, 2015), um romance com uma história num cenário perturbador de horror, com um olhar corrosivo sobre a realidade cruel dos campos de concentração, cruzando o olhar de vítimas e perpetradores.
- As Benevolentes, de Jonathan Littell (Littell, 2007), uma longa narrativa com as memórias ficcionadas de um oficial nazi que participara ativamente em diferentes momentos do Holocausto, revivendo-os de forma crua, desumanizada e sem arrependimento, num enredo encadeado num conjunto de quadros históricos.
- Trieste, de Dasa Drndic (Drndic, 2019), uma obra que relata a história de uma judia italiana, que, no final da vida, reconstrói a sua memória na busca de um filho nascido no final da guerra, fruto de uma relação com um oficial das SS, e que lhe foi roubado pelas autoridades nazis no âmbito do programa de pureza racial Lebensborn. Escrito de uma forma muito estimulante, cheio de intertextualidades, com recurso a muitos documentos históricos que se cruzam harmoniosamente com a narrativa ficcional e que garantem o rigor histórico da obra.
- Austerlitz, de W.G. Sebald (Sebald, 2012), um belo romance ao estilo do autor, com longos parágrafos, uso de imagens e fotografias, num percurso pela memória e identidade do protagonista, mas também da Europa, marcada pelo Holocausto, aqui representado por Theresienstadt.
- Sem destino, de Imre Kertész (Kertész, 2003), narra a história de um adolescente de Budapeste e da sua experiência nos campos de concentração. Negando o carácter autobiográfico da história, o livro não deixa de ser marcado pela experiência de Kertész, mas também pela sua ironia.
- Talvez Esther, de Katja Petrowskaja (Petrowskaja, 2015), uma viagem pela história e memória da família durante o Holocausto, mas que é uma itinerância pela história e pela identidade da Europa, passando pela Rússia, Ucrânia, onde a autora nasceu, Polónia e Alemanha, onde agora vive.
- O imperador das mentiras, de Steve Sem-Sandberg (Sem-Sandberg, 2012), que coloca o controverso Mordechai Rumkowski, chefe do Judenrat do gueto de Lodz, como protagonista do relato de violência, sofrimento e luta pela sobrevivência que ali ocorria.
- O Xaile, de Cynthia Ozick (Ozick, 1993), um pequeno conto reconhecido pela sua qualidade literária e em que, numa linguagem dura mas poética, a autora coloca na voz da mãe de uma bebé, Magda, o relato dos últimos momentos, antes de esta ser atirada contra o arame farpado eletrificado por um guarda do campo: “De um momento para o outro Magda corria flutuando pelo ar. Magda, inteira, viajando pelas alturas. Parecia uma borboleta aflorando um vinhedo prateado” (Ozick, 1993, p. 20).
Vivemos tempos complexos. Tempos em que presenciamos, um pouco por todo o lado, a afirmação de novos modelos de populismo e a erosão dos sistemas democráticos, o ressurgir de novas formas de autoritarismo, o recrudescimento de fenómenos de xenofobia e racismo, manifestações de antissemitismo e crimes de ódio, potenciados pela desinformação e manipulação dos meios de comunicação e pela superficialidade e efemeridade das redes sociais, que propagam as notícias falsas e as teorias da conspiração. Neste contexto, a educação sobre o Holocausto é absolutamente indispensável e a leitura constitui um eixo fundamental deste desígnio, não apenas para evocar ou homenagear as vítimas, mas, sobretudo, para analisar e compreender o contexto histórico de um processo que desafiou, aos limites, os comportamentos e os valores humanos e que questionou, radicalmente, os valores democráticos e o respeito pelos mais elementares direitos humanos. O conhecimento e a compreensão do que foi o Holocausto é um imperativo moral na formação das gerações mais jovens, para impedir que seja esquecido e que algo de semelhante se possa repetir. As linhas cruzadas com que se tece a construção da memória do Holocausto são feitas de múltiplas leituras, dos diários às memórias, da poesia à ficção, do teatro ao ensaio.
A leitura sobre o Holocausto deve ser o ponto de partida para a construção de uma memória sobre um passado que não podemos deixar que se repita e para a formação de uma cidadania mais consciente, crítica e solidária.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1] A este propósito foi editada recentemente em Portugal uma obra muito interessante intitulada Génio e Ansiedade – Como os judeus mudaram o mundo (Lebrecht, 2021).
[2] Esta historiadora lançou, no passado ano, uma excelente obra de síntese sobre este tema: Holocausto (Pimentel, 2020).
[3] João Pinto Coelho é o mais sólido escritor português de obras de ficção sobre o Holocausto: Perguntem a Sarah Gross (Coelho, 2015), Os loucos da Rua Mazur (Coelho, 2017), que foi Prémio Leya 2017, e Um tempo a fingir (Coelho, 2020).
[4] O ponto culminante deste debate aconteceu no final dos anos 80 do século passado, com discussões sobre o revisionismo e a visão sobre o Holocausto, resultando, em boa parte, numa emancipação dos estudos sobre a Shoá, no quadro da historiografia do Nazismo.
[5]< Veja-se o que aconteceu recentemente neste país em que um tribunal condenou os historiadores Barbara Engelking, Diretora do Centro Polaco de Investigação do Holocausto, e Jan Grabowski, da Universidade de Otava, no Canadá, por desrespeito a uma lei que penaliza referências à cumplicidade de polacos no Holocausto (Público, 9.2.2021, disponível em https://www.publico.pt/2021/02/09/mundo/noticia/tribunal-polaco-condena-historiadores-investigacao-cumplicidade-holocausto-1949982
[6] Que se pode traduzir como Celebração ou festa do Shabbat, o Sábado, dia sagrado para os judeus.
[7] Nunca mais esquecerei esta noite, a primeira noite no campo, que fez da minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada.
Nunca mais esquecerei aquele fumo.
Nunca mais esquecerei as pequeninas caras das crianças cujos corpos eu tinha visto transformarem-se em espirais sob um azul mudo.
Nunca mais esquecerei estas chamas que consumiram para sempre a minha Fé.
Nunca mais esquecerei este silêncio nocturno que me privou, para a eternidade, do desejo de viver.
Nunca mais esquecerei estes momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e os meus sonhos, que tomaram a aparência de um deserto.
Nunca mais esquecerei isto, mesmo que tenha sido condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus.
Nunca mais. (Wiesel, 2003, p. 42)
[8] Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara. (Levi, 2014, p. 7)