ISBN: 978-989-641-828-1
Edição: novembro de 2020
Editor: Relógio d’Água
N.º de páginas: 52
Surgiu no tempo certo a edição em 2020 deste precioso livrinho de Marcel Proust, editado pela primeira vez em 1905, tendo sido primeiramente escrito como prefácio da tradução de Sésame et ses Lys, de John Ruskin. Tempo certo, porque tempo de silêncio, de solidão e de recolhimento, senão mesmo de clausura, provocada pela pandemia de Covid-19. Um tempo propício ao ato de ler. E de ler Proust.
Estas páginas ensaísticas tornaram-se num livro de incentivo à leitura, escrito pelo autor de Em Busca do Tempo Perdido, que, desde a infância, dizia preferir o contacto com os livros ao contacto com os homens e com a natureza, cuja função parecia ser apenas a de lhe interromperem a leitura.
O livro começa exatamente com a frase “Talvez não haja dias da nossa infância que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que cremos ter deixado sem os viver, aqueles que passámos com um livro preferido.” Mas, por outro lado, Proust diz também que aquilo que as leituras da juventude “deixam sobretudo em nós é a imagem dos dias e das horas em que as fizemos”, numa associação entre o ato de ler e o contexto em que se lê. É curioso que o que é considerado como “obstáculo perante um prazer divino” seja mais tarde aquilo que fica inscrito na memória. Por exemplo, pessoas, refeições, natureza, o próprio quarto são longa e poeticamente descritos, relevando essa descrição de uma atenção que parece incompatível com a dedicação fervorosa à leitura de um livro. O que lhe serve de obstáculo à leitura é a vida? Mas a vida que decorre enquanto se lê é o que fica, indelével, na memória?
Afinal, o que é a leitura? Uma atividade espiritual que possibilita ao leitor uma transcendência de si próprio e o contacto com homens e ideias fantásticas, talvez as mais inspiradoras de sempre. Não é propriamente uma conversação entre leitor e autor, pelo contrário, não se trata de uma relação dialética, mas uma relação unidirecional, que requer silêncio e solidão. O leitor não conversa com o autor, decifra a palavra escrita pelo autor. A leitura consiste “para cada um de nós, ao contrário da conversação, em recebermos a comunicação de um outro pensamento, mas permanecendo sós, quer dizer continuando a gozar da força intelectual que temos na solidão e que a conversa dissipa imediatamente”.
Marcel Proust faz da leitura a melhor e a maior das amizades, a mais pura, comparando essa à amizade entre os homens, que é considerada frívola. Quando falamos de livros não há lugar para amabilidades, uma vez que “esses amigos, se passarmos o serão com eles, é porque temos verdadeiramente vontade de o fazer. A eles, pelo menos, muitas vezes só contrariados os deixamos. E depois de os deixarmos, não há nenhum desses pensamentos que estragam a amizade - Que terão pensado de nós? Não teremos tido falta de tato? Teremos agradado? - , nem o medo de sermos esquecidos por um outro.”
Quem faz dos livros um objeto imprescindível, precioso, ou quem tem a leitura como um dos maiores prazeres da vida compreenderá o sentido das palavras de Proust e reconhecer-se-á em muitas das passagens de Sobre a Leitura.
Equipa do PNL2027