ISBN: 978-972-0-04699-4
Data de edição: outubro de 2004
Editor: Porto Editora
N.º de páginas: 276
Quem disser o contrário é porque tem razão não é ensaio nem ficção, mas sim um guia prático, um manual de escrita, elucida o autor logo no início do livro. Um guia de escrita que aconselha, recomenda e aponta direções, mas não só. Adverte que, para escrever bem, é necessário, em primeiro lugar, ler. Ler muito.
O autor sugere que o leitor “leia por gosto, leia por curiosidade, leia por desfastio, leia por obrigação, leia por indignação, mas leia, leia, leia de tudo, sem preconceitos nem reservas. (…) O leitor que vai iniciar-se na escrita literária precisa de um património, precisa de recursos, precisa de provisões, como alguém que vai enfrentar uma rota esplendorosa de paisagens, mas de longo curso e piso acidentado.” Mário de Carvalho partilha com o leitor, aspirante a escritor, ensinamentos para que os futuros textos apresentem uma chancela de qualidade. Assim, deverá ler atentamente autores de referência - Camilo Castelo Branco, Henry James, Eça de Queirós, Nikolai Gógol, José Cardoso Pires, Maupassant, Flaubert e Tchékhov, entre muitos outros. Se ler é imperativo, diversificar temáticas é recomendável. Examinar os vários tipos de narrador, compreender a construção das personagens, dos prefácios ou dos distintos modelos de narrativa é um aviso a não ignorar. Quem não fica maravilhado com a arte de Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ao iniciar a narrativa pelo final, após a própria morte do narrador?
O conhecimento da tradição literária é essencial, permite ao jovem escritor criar o que já existe, evitando a repetição de lugares-comuns e chavões. É importante encontrar a singularidade. O aspirante a escritor tem perante si um desafio que acompanha “todo o autor que se preze enquanto houver literatura: como ser diferente e único sem cair na extravagância nem ser acusado de ‘habilidoso’?"
Escrever é uma arte. Significa que, como todas as artes, deve potenciar o imaginário, desvendar mistérios inimagináveis, seduzir, “sondar os espantos, os dilemas e as contradições da alma humana e os absurdos da sociedade e da existência”, isto é, ser original.
Mário de Carvalho alerta o leitor para o equívoco entre os termos 'escritor' e 'writer': enquanto o primeiro se refere aos “ficcionistas, com vénia aos dramaturgos e aos poetas”, o segundo designa quem se ocupa em escrever, por exemplo, textos publicitários, receitas de cozinha ou meros aconselhamentos psicológicos. Ser escritor é ter um espírito crítico apurado, “capacidade de observação, apta a capturar em permanência o outro lado das coisas, mesmo quando parece distraída ou alheada.”
As interpelações constantes ao “novel escritor” estreitam laços empáticos entre o autor e o leitor, fazendo das lições de escrita lições de vida, permitindo esquecer que se trata da leitura de um guia e envolvendo o leitor numa empolgante descoberta do cânone literário. A leitura de Quem disser o contrário é porque tem razão é equivalente a uma aula magistral sobre escrita. Arrebatadora. Inspiradora. Uma aula prática, cujo tom oscila entre o irónico e o bem-disposto, onde, além dos conselhos de estilo e estilística, são apontados erros comuns, pistas para o bom uso da língua e evidências de que a simplicidade não é fácil de ser conseguida, mas é nela que reside a beleza de um bom texto.