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ESTUDOS
Leitores de livros em Portugal. Uma prática cultural em transformação
Book readers in Portugal. A cultural practice in transformation
Miguel Ângelo Lopes, José Soares Neves e Patrícia Ávila

RESUMO

Este artigo apresenta novos contributos para compreender a evolução recente das práticas de leitura, em particular da leitura de livros, em Portugal.

Perspetiva-se a leitura de livros como uma atividade realizada em tempos de lazer e procura-se, através de uma análise diacrónica, atualizar o conhecimento sobre as práticas de leitura de livros em Portugal e sobre o perfil sociodemográfico e socioprofissional dos leitores de livros.

A estratégia metodológica seguida é quantitativa, incidindo em dados sobre leitura de livros contidos em inquéritos internacionais à população. Conclui-se que os níveis de leitura vêm diminuindo, em particular entre os mais jovens e entre os mais qualificados em termos escolares e socioprofissionais. 

ABSTRACT

Taking reading as a cultural practice as a core concept, i.e, taking reading as a leisure activity, a diachronic analysis is then carried out to update the knowledge about book reading practices in Portugal and the socio-demographic and socio-professional profile of book readers.

The methodological strategy followed is quantitative, focusing on data on book reading contained in international population surveys. We conclude that reading levels have been decreasing, particularly among the youngest and most qualified in educational and socio-professional terms.

PALAVRAS-CHAVE

sociologia da leitura, leitura de livros, práticas de leitura, perfis de leitores

KEYWORDS

sociology of reading, book reading, reading practices, reader profiles

NOTA CURRICULAR DOS AUTORES

Miguel Ângelo Lopes concluiu o mestrado em Sociologia em 2019, no Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, com a dissertação Leitura de livros em Portugal e na Europa. Tendências recentes numa perspetiva comparada. É, neste momento, doutorando em Sociologia, também no Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, com o projeto de tese “Ler não é dos meus passatempos preferidos. A relação dos jovens com a leitura em Portugal”. Colabora no Observatório Português de Atividades Culturais (OPAC) desde a sua criação, em dezembro de 2018.

José Soares Neves é doutorado em Sociologia da Comunicação, da Cultura e da Educação (Iscte-Instituto Universitário de Lisboa). É investigador integrado e subdiretor do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) e professor no Departamento de Sociologia/Escola de Sociologia e Políticas Públicas do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa. Foi investigador permanente e coordenador de projetos do Observatório das Atividades Culturais (OAC) durante a sua existência (1996 a 2013) e Presidente do Grupo de Trabalho sobre Estatísticas da Cultura (GTEC) do Conselho Superior de Estatística (2006 a 2010). É diretor do Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC) desde a criação, em dezembro de 2018.

Patrícia Ávila Doutoramento e mestrado em Sociologia. Professora Associada no Departamento de Métodos de Pesquisa Social da Escola de Sociologia e Políticas Públicas do Iscte-Instituto Universitário de Lisboa. Investigadora Integrada no CIES-Iscte. Atualmente é diretora do Doutoramento em Sociologia (CIES-Iscte) e coordenadora do Grupo de Investigação "Sociedade do Conhecimento, Competências e Comunicação” do CIES-Iscte. Tem participado em vários projetos de investigação sobre diferentes temáticas, com particular destaque para literacia e leitura, competências, educação de adultos, ciência e sociedade, e metodologias de investigação em ciências sociais. É autora de vários artigos e livros.

INTRODUÇÃO

Nas sociedades atuais, o lugar do livro e a sua importância social têm de ser entendidos num quadro em que se multiplicam os suportes ou meios que possibilitam a circulação da informação escrita e se generalizam e fragmentam as práticas de leitura (Furtado, 2000, 2012). Com efeito, vivemos numa época em que o texto escrito circula de uma forma sem precedentes – seja em suportes como livros, jornais e revistas, seja em pequenos textos (nas legendas na televisão, no cinema, nas redes sociais, em documentos e formulários, bulas de medicamentos, publicidade em forma de folhetos ou cartazes, entre outros) – e o recurso à leitura é significativamente maior por necessidade de decifrar e interpretar essa informação (Ávila, 2008; Benavente et al., 1996; Costa, 2003).

As evoluções tecnológicas dos últimos 20 anos, nomeadamente ao nível das tecnologias digitais, não diminuem a importância da leitura. Na chamada sociedade em rede, onde tanto o acesso à Internet, ao computador, ao tablet, e principalmente ao smartphone, como a utilização das redes sociais online têm vindo a crescer (Cardoso et al., 2015), a “leitura surge como sendo cada vez mais necessária em diversos contextos, mas, ao mesmo tempo, fragmenta-se e dispersa-se, passando a estar ancorada em múltiplos suportes” (Ávila, 2008, p. 72). Com o inegável avanço e presença crescente de formatos de leitura inscritos em dispositivos digitais, incluindo livros, as sociedades atuais caracterizam-se pela coexistência de uma multiplicidade de suportes disponíveis para a leitura. Assim, embora as tecnologias digitais assumam uma importância cada vez maior, na vida social contemporânea estão presentes diferentes meios de comunicação e diferentes suportes, impressos e digitais, através dos quais a leitura se desenvolve (Ávila, 2008, pp. 73–74).

Apesar disso, investigar o lugar do livro e a evolução social das práticas de leitura neste suporte não deixou de ser relevante sociologicamente. Como têm, afinal, evoluído as práticas de leitura de livros neste contexto? Sabendo-se que nas sociedades atuais os livros coexistem com uma multiplicidade de outros suportes que convocam a leitura, e que as práticas de comunicação, de entretenimento, de lazer e de acesso ao conhecimento propiciadas pelos dispositivos digitais assumem uma importância cada vez maior, qual o lugar do livro e da leitura de livros? O objetivo do presente artigo[1] é contribuir para a reflexão sociológica sobre este tema recorrendo a uma fonte secundária de dados – o Inquérito à Educação e Formação de Adultos (IEFA) –, a partir da qual é possível analisar a incidência das práticas de leitura de livros em Portugal em 2007, 2011 e 2016, dando conta da evolução registada quanto aos contingentes de leitores e quanto aos respetivos perfis sociais.

1.  A LEITURA DE LIVROS COMO PRÁTICA CULTURAL

A leitura de livros ocupa um lugar central na sociologia da leitura (Neves, 2011, p. 25) e tem vindo a ser conceptualizada como uma prática social – desde a relação que se estabelece entre o leitor e o autor, passando pela partilha (física e digital) de material escrito entre indivíduos, até à discussão de opiniões em clubes de livro presenciais ou em plataformas digitais como a Goodreads (Sedo, 2011) – e não tanto como uma atividade individual (Baron, 2015, pp. 113–130).

Também numa perspetiva sociológica, vários autores abordam a leitura como prática cultural (Coulangeon, 2005, pp. 3–4), ou seja, enfatizam a leitura como atividade realizada em tempo de lazer, por prazer, fruição intelectual, distinta da leitura efetuada por obrigações profissionais ou escolares (Donnat, 2009; Griswold et al., 2005, 2011; Neves, 2015).

1.1.  Leitores e perfis de leitores. Os inquéritos sociológicos sobre leitura

As “sociologias da leitura” nascem no começo do século passado, sendo que o desenvolvimento dos inquéritos sociológicos sobre leitura está “intimamente ligado à história política e social do século, às suas crises e às suas esperanças” (Poulain, 2004, p. 17). Quer em termos geográficos, quer em número, a expansão destes inquéritos ocorre ao longo do século XX (Neves, 2011, pp. 67–69; Poulain, 2004), embora a noção de leitura como lazer tenha particular incidência, neste tipo de inquéritos, após a Segunda Guerra Mundial (Poulain, 2004, p. 23).

Portugal tem também já alguma tradição em estudos extensivos que abordam, direta ou indiretamente, as práticas de leitura. Promovidos por diferentes entidades, tendo, ou não, as práticas de leitura como objeto de estudo principal, abrangendo toda a população ou direcionados apenas para determinados segmentos da mesma, os estudos sobre práticas de leitura têm tido alguma expressão na investigação sociológica, principalmente após a transição para a democracia e até 2007 (Neves, 2015c).

Interessa sobretudo fazer aqui referência aos três grandes inquéritos sociológicos sobre leitura que até hoje se realizaram em Portugal. O primeiro desses inquéritos, Hábitos de Leitura em Portugal: Inquérito Sociológico – realizado em 1988 (Freitas & Santos, 1991, 1992b, 1992a) –, teve como objetivo “fornecer elementos sobre as práticas de leitura em Portugal”, respondendo a perguntas como: “quem lê? O que lê? Com que frequência? Que livros e quantos livros se possuem? Quem compra e quantos livros se compra? Onde se realiza o aprovisionamento de livros? Qual o lugar da leitura entre escolhas culturais?” (Freitas & Santos, 1991, p. 67). Em 1995 foi realizado o segundo inquérito sociológico, Hábitos de Leitura: Um Inquérito à População Portuguesa, que teve como finalidade “caracterizar e analisar os hábitos de leitura dos portugueses” (Freitas et al., 1997, p. 17). O último inquérito sociológico sobre leitura realizado em Portugal decorreu em 2006/2007 (Santos, Neves, Lima, & Carvalho, 2007). Algumas das questões que orientaram este estudo foram: “quem lê, o que lê, onde lê, porque lê (ou não), qual o lugar da leitura no conjunto das práticas culturais?” (Santos et al., 2007, p. 7), sendo de destacar a análise comparativa com os inquéritos de 1988 e 1995.

Os resultados desses inquéritos mostraram que se assistiu, até 2007, ao crescimento do número dos leitores de livros, em grande parte devido ao aumento de pequenos leitores (Santos et al., 2007, pp. 47-51), e que se manteve alguma regularidade no que se refere aos perfis sociais. Embora existissem diferenças, muitas delas assinaláveis, entre Portugal e os países da União Europeia no que concerne a condições sociais, situação económico-financeira e práticas culturais (só para nomear algumas), os perfis dos portugueses leitores de livros assemelhavam-se aos perfis dos seus congéneres europeus (Neves, 2015b).

Que perfis eram esses, ou, dito de outro modo, que características sociodemográficas foram reveladas nesses estudos sobre os portugueses maiores de 15 anos leitores de livros? Que eram maioritariamente do sexo feminino, mais jovens (com destaque para os estudantes), com níveis de escolaridade e rendimentos mais elevados, e que residiam maioritariamente em áreas urbanas metropolitanas (Neves, 2015a, 2015b; Santos et al., 2007). Em termos da estrutura socioprofissional[2], constatou-se uma sobrerrepresentação na categoria dos Profissionais Técnicos e de Enquadramento, quer na leitura de livros, quer nas práticas culturais em geral (Neves, 2015a, p. 74, 2015c, p. 131).

Não existindo desde 2007 um inquérito que incida especificamente sobre a leitura de livros em Portugal, pretende-se com este artigo colmatar algumas lacunas sobre a evolução dos contingentes de leitores e dos seus perfis sociais desde essa altura.

2.  METODOLOGIA

Neste estudo, recorremos a dados recolhidos no âmbito do Inquérito à Educação e Formação de Adultos (IEFA)[3] de 2007, 2011 e 2016[4], o qual corresponde à edição nacional do Adult Education Survey (AES), um inquérito europeu coordenado pelo Eurostat, que em Portugal é conduzido pelo INE. Foram analisadas as duas perguntas sobre leitura de livros presentes nas três edições. Uma delas sobre a presença, ou não, da prática de leitura de livros como atividade de lazer no último ano (“Nos últimos 12 meses leu algum livro como atividade de lazer?”, com resposta Sim/Não), e, no caso de resposta afirmativa, uma outra pergunta sobre o número de livros lidos, a qual teve uma formulação ligeiramente diferente em 2007 (“Nos últimos 12 meses, em média, quantos livros leu como atividade de lazer?”, com as categorias de resposta “1 a 3 livros”, “4 a 7 livros”, “8 a 12 livros”, “mais do que 12 livros”) e em 2011 e 2016 (“Leu menos de 5 livros, entre 5 e 10 livros ou mais de 10 livros?”, com as categorias de resposta “menos de 5 livros”, “entre 5 e 10 livros”, “mais de 10 livros”).

3.  RESULTADOS

3.1.  Evolução da leitura de livros em Portugal

Os resultados indicam que, em Portugal, a percentagem da população, com idade entre os 18 e os 64 anos[5], que afirma ler livros em contexto de lazer se situa, nos três anos analisados, sempre abaixo dos 50% e apresenta uma tendência de ligeiro decréscimo ao longo desse período. Mais precisamente, desce de 44%, em 2007, para 40%, em 2016 (Figura 1).

 

Figura 1

Figura 1: Leitores de livros em Portugal – 2007 a 2016 (%)
(Fontes: IEFA 2007, 2011 e 2016. Elaboração própria)
Nota: % respostas “sim” à pergunta: “Nos últimos 12 meses leu algum livro como atividade de lazer?

Além do peso global dos leitores de livros na população, é possível também conhecer o seu perfil social e o modo como evoluiu entre 2007 e 2016 (Quadro 1).

 Quadro 1

Quadro 1: Leitores de livros em Portugal segundo o sexo, a idade, a escolaridade, a condição perante o trabalho e a categoria socioprofissional em 2007, 2011 e 2016 (% de leitores em cada categoria)

(Fontes: IEFA 2007, 2011 e 2016. Elaboração própria)

Notas: (i) % respostas “sim” à pergunta: “Nos últimos 12 meses leu algum livro como atividade de lazer? (ii) Qui-quadrado estatisticamente significativo para todos os cruzamentos (p<0,001). 

Um primeiro elemento a destacar é que, no período em análise, a percentagem de leitoras é sempre superior à de leitores, observando-se ainda que, entre estes, a descida verificada é mais acentuada: menos 7% de leitores entre 2007 e 2016, face a menos 2% de leitoras. Em 2016, pelo menos metade das mulheres inquiridas afirma ler livros, enquanto os homens são já menos de um terço. A diferença percentual entre leitoras e leitores tem vindo a aumentar: em 2007 é de 17 pontos percentuais (p.p.), aumenta para 20 p.p. em 2011, e para 22 p.p. em 2016. Confirma-se, assim, a conhecida clivagem da prática de leitura de livros em lazer a favor das mulheres nos países ocidentais (Neves, 2011, pp. 56-58) e verifica-se que a mesma tem vindo a acentuar-se (Figura 2).

 Figura 2

Figura 2: Diferença entre a % de leitores de livros em 2016 e em 2007, por sexo e idade
(Fontes: IEFA 2007 e 2016. Elaboração própria)

Relativamente à idade, a posição entre os vários escalões etários mantém-se em todo o período, observando-se que, à medida que aumenta a idade, desce a percentagem dos que leem livros. Mas se isso é verdade, e confirma tendências já encontradas em investigações anteriores (Santos et al., 2007, p. 53), é igualmente notório o crescente distanciamento dos mais jovens relativamente à leitura de livros por prazer. Com efeito, constatamos que as percentagens descem mais acentuadamente nestes grupos ao longo do período em análise. Por exemplo, no escalão etário 18-24 anos, a descida entre 2007 e 2016 é de 10 p.p. (de 54% para 44%), mas no escalão dos mais velhos (55-64 anos) verifica-se uma evolução positiva, ainda que muito pequena, de 34% para 35%.

Quanto à escolaridade, também se confirma a conhecida associação com a leitura de livros, agora de sentido positivo: quanto mais elevado é o grau de escolaridade, maior é a percentagem de leitores de livros por prazer (Neves, 2015b, p. 120). Mas também aqui se verifica que a diminuição que ocorre entre 2007 e 2016 não é transversal, sendo particularmente acentuada entre os que mais leem, ou seja, entre os mais qualificados, sobretudo entre os que têm o ensino secundário, mas também nos que têm ensino superior, registando estas duas categoriais as maiores quebras no período em análise. A única exceção na tendência de descida situa-se nos indivíduos que não concluíram nenhum grau de escolaridade, entre os quais as percentagens permanecem muito baixas, subindo muito ligeiramente de 5% em 2007 para perto de 6% em 2016 (Figura 3).

 Figura 3

Figura 3: Diferença entre a % de leitores de livros, em 2016 e em 2007, por escolaridade, condição perante o trabalho e categoria socioprofissional
(Fontes: IEFA 2007 e 2016. Elaboração própria) 

Colocando o foco no cruzamento da leitura de livros com a condição perante o trabalho e com a categoria socioprofissional[6], verificamos que o panorama geral é, uma vez mais, de descida acentuada nas categorias em que os contingentes de leitores são, por norma, mais elevados, como os estudantes e os Profissionais Técnicos e de Enquadramento (PTE), ou seja, entre as categoriais com capital escolar mais elevado.

Assim, quanto à condição perante o trabalho, destaca-se a descida de 20 p.p. nos estudantes (a mais acentuada entre as categorias desta variável), continuando estes, ainda assim, a ser o contingente com maior percentagem de leitores de livros, e o único acima dos 50% nos três anos registados (74% em 2007, 61% em 2011 e 54% em 2016).

No que à categoria socioprofissional diz respeito, apenas os Trabalhadores Independentes (TI) não descem, destacando-se o facto de os PTE baixarem 18 p.p., de 79% para 61%. Ainda assim, em 2016 é a única categoria socioprofissional em que os leitores de livros ainda são a maioria, quando em 2007 esta situação se estendia também aos Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais (EDL) e aos Empregados Executantes (EE).

Em síntese, estes resultados mostram que – embora permaneçam bem vincadas as principais características sociais que distinguem os leitores de livros – estão a ocorrer importantes alterações, assistindo-se a uma diminuição das diferenças sociais por via de uma aproximação “por baixo”, ou seja, por via da perda de leitores onde estes têm maior peso e não por um ganho de leitores onde estes eram, e continuam a ser, menos presentes.

3.2.  Tipos de leitores de livros em Portugal

Tendo em conta apenas o ano de 2016, analisa-se agora o perfil social dos leitores segundo uma tipologia de leitores, obtida a partir do número de livros lidos, e abrangendo a população com idades dos 18 aos 69 anos.

Como seria de esperar, considerando os vários tipos de leitores, as percentagens diminuem regularmente à medida que aumenta o número de livros lidos. O tipo mais “exigente”, leitores de 10 ou mais livros, representa, em 2016, pouco mais de 4% dos inquiridos. A maioria dos inquiridos ou não leem, ou são pequenos leitores (61% e 27%, respetivamente) (Figura 4).

 Figura 4

Figura 4: Tipologia de leitores de livros (2016)
(Fonte: IEFA 2016. Elaboração própria) 

Este é um panorama que atravessa as várias categorias sociais consideradas, embora sejam identificáveis algumas diferenças (Quadro 2).

Quadro 2 

Quadro 2: Tipologia de leitores de livros segundo o sexo, a idade, a escolaridade, a condição perante o trabalho e a categoria socioprofissional – 2016.
(percentagens em linha)
(Fonte: IEFA 2016; Elaboração própria)
Notas: (i) Número de livros lidos nos últimos 12 meses (ii) Qui-quadrado estatisticamente significativo para todos os cruzamentos (p<0,001).

A análise do perfil social dos vários tipos de leitores evidencia, em primeiro lugar, que entre as mulheres os tipos de leitura mais intensa, embora minoritários, atingem percentagens um pouco mais elevadas do que entre os homens. Em termos etários, observa-se que a percentagem dos que declaram não ter lido livros aumenta regularmente com a idade e, por sua vez, os pequenos leitores têm mais expressão entre os mais jovens. Já os médios e grandes leitores têm uma presença muito pouco expressiva em todos os grupos etários.

Relativamente ao grau de escolaridade, as diferenças são particularmente acentuadas nos tipos mais exigentes em quantidade de livros lidos, os quais, embora continuem a ser transversalmente minoritários, atingem nos indivíduos com ensino superior os valores mais elevados entre as várias categorias analisadas (27% leem pelo menos 5 livros).

Quanto à condição perante o trabalho, os estudantes destacam-se por terem o menor contingente entre os que não leram nenhum livro e por registarem a percentagem mais elevada de pequenos leitores, mas não se diferenciam nos restantes tipos. Aliás, a percentagem de médios e grandes leitores apresenta, uma vez mais, variações muito pequenas, oscilando entre os 4,3% e os 7,7%.

Os PTE são a única categoria socioprofissional em que a maioria dos inquiridos lê por motivo de lazer, destacando-se das restantes em qualquer um dos três tipos de leitores. Entre os EDL, embora prevaleçam os não leitores, as percentagens nos leitores de mais livros aproximam-se das registadas entre os PTE. 

3.3.  O decréscimo das práticas de leitura em Portugal. Um olhar cruzado entre fatores geracionais e recursos educacionais

Os resultados até aqui apresentados permitem retratar o perfil social dos leitores de livros em Portugal e também a evidente diminuição dos leitores, observada sobretudo entre os mais escolarizados. Por existirem indícios de uma importante mudança social em curso (até há pouco tempo a chave para o aumento dos leitores parecia garantida com o alargamento da escolaridade da população), procurou-se aprofundar a relação entre o número de livros lidos (apurado agora a partir do número médio de livros lido no último ano), a idade (categorias etárias) e o grau de escolaridade, de modo a explorar se a combinação das categorias destas duas variáveis permite detetar variações específicas na leitura de livros como atividade de lazer ao longo da vida (Figura 5).

 Figura 5

Figura 5: Número de livros lidos (média) por idade e escolaridade (2016)
(Fonte: IEFA 2016. Elaboração própria)
Nota: Valores médios do indicador “número de livros lidos no último ano”.

Desde logo constatamos, uma vez mais e como esperado, que a leitura de livros é tão mais elevada quanto maior a escolaridade, algo que é transversal a todos os escalões etários. Ao mesmo tempo, porém, surge algo que os dados apresentados até aqui não mostravam: o número de livros surge com uma relação direta com a idade, mas apenas nos indivíduos com ensino secundário e superior e, entre estes, somente a partir dos 45 anos. Entre os menos escolarizados, o número de livros lido é sempre muito baixo, em média ligeiramente superior a um, e sem alterações relevantes nos vários escalões etários.

De salientar ainda que, entre os mais jovens, as diferenças no número de livros lido por escolaridade são bastante menos acentuadas do que entre os mais velhos. Considerando os níveis de escolaridade que leem mais e menos no primeiro escalão etário (superior e básico, respetivamente), a distância ou diferença entre elas é de 1,4 livros, a favor dos mais escolarizados. Fazendo o mesmo cálculo para os inquiridos mais velhos (65-69 anos), a distância aumenta para 5,3 livros, em média. Ou seja, entre as gerações mais novas, as diferenças no número médio de livros lido por grau de escolaridade são claramente inferiores ao verificado entre as mais velhas, o que se deve ao facto de os jovens com ensino secundário e superior lerem acentuadamente menos do que os mais velhos com a mesma escolaridade. É por essa via que se alcança a já referida diminuição das desigualdades face à leitura, a qual, percebe-se agora, decorre sobretudo das reduzidas práticas de leitura dos mais jovens, mantendo-se essas desigualdades muito evidentes nas categorias etárias mais elevadas.

Ficam assim evidenciadas não só as conhecidas e amplamente retratadas clivagens nas práticas de leitura associadas ao capital escolar, mas também outras dimensões que com ele se cruzam e que podem contribuir para compreender as transformações em curso neste domínio. A idade surge como um elemento que introduz maior complexidade à interpretação da distribuição social desta prática cultural, podendo refletir quer efeitos de geração (que nos podem levar a concluir que há idades mais propensas à prática da leitura do que outras), quer sinais de uma mudança social profunda em curso, que afeta, para já, sobretudo as gerações mais novas.

CONCLUSÕES

A pesquisa realizada permitiu concluir que a leitura de livros como atividade de lazer,  durante o período de 2007 a 2016, evidencia a inversão da tendência de crescimento até aí verificada em Portugal (Santos et al., 2007, p. 74), passando a ser de decréscimo. Sendo transversal às categorias sociais analisadas, este decréscimo acentua-se nos homens, nos mais jovens (em particular nos estudantes) e, sobretudo, nos mais escolarizados. Esta evolução negativa dos níveis de leitura de livros verifica-se também entre a população que exerce uma atividade profissional. O maior decréscimo ocorre no contingente dos Profissionais Técnicos e de Enquadramento (PTE), logo seguido pelo contingente dos EE (Empregados Executantes), justamente as duas categorias que apresentavam em 2007 as maiores percentagens de leitores de livros (Santos et al., 2007, p. 74).

Apesar do declínio verificado na leitura de livros nos últimos anos, o perfil social predominante dos leitores de livros em Portugal é análogo ao perfil de que a literatura sociológica nos dá conta (Griswold, 2008; Neves, 2015a): mais feminino do que masculino, mais jovem, mais escolarizado (com destaque para os estudantes), e entre os que exercem uma atividade profissional, destacam-se os PTE. São resultados próximos dos verificados em países como Espanha (Villarroya, 2010, p. 200) e França (Donnat, 2009, 2011).

Dado que a escolaridade é determinante no que à leitura de livros diz respeito, e uma vez que temos assistido, nas últimas décadas, em Portugal, a uma melhoria significativa dos indicadores relativos à escolaridade da população (embora, no contexto dos países europeus, Portugal mantenha uma posição bastante desfavorável (OECD, 2019)), qual a explicação para um tão acentuado decréscimo, em particular entre os mais escolarizados?

O impacto da crise financeira e económica que ocorreu durante o período em análise poderá ser uma das explicações para a especificidade da tendência registada no país (Neves, 2015b, p. 38), no entanto, outros fatores devem ser equacionados. Embora a resposta à questão colocada não possa ser encerrada com este estudo, a análise realizada permitiu reunir alguns elementos de apoio à reflexão. Foi possível evidenciar que o decréscimo verificado na leitura de livros entre a população mais escolarizada é mais proeminente nos mais jovens do que nos mais velhos, o que é sociologicamente muito relevante. De facto, é entre os mais jovens que os níveis de leitura se apresentam hoje particularmente baixos, mesmo quando a escolaridade é elevada. Os resultados mostram, assim, uma grande proximidade nos níveis de leitura dos jovens com escolaridades diferentes, os quais são transversalmente baixos, apesar de permanecerem visíveis os efeitos do capital escolar. A questão que se coloca, e que importa continuar a acompanhar e a aprofundar noutras investigações, é a de saber se as evidentes diferenças registadas entre os vários coortes geracionais refletem práticas culturais diferenciadas ao longo do ciclo de vida (o que significaria que aqueles que são jovens hoje passariam a ler mais quando fossem mais velhos, sobretudo os mais escolarizados), ou se, pelo contrário, estamos perante sinais de uma profunda mudança social que se manifesta, para já, sobretudo entre as gerações mais novas.

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NOTAS

[1] Este artigo retoma parcialmente a dissertação de mestrado em Sociologia intitulada Leitura de livros em Portugal e na Europa. Tendências recentes numa perspetiva comparada (Lopes, 2019).

[2] A categoria socioprofissional foi construída de acordo com a Tipologia ACM, a qual resulta do cruzamento da profissão com a situação na profissão (Costa, 2008, pp. 227–228; Costa et al., 2007; Costa & Mauritti, 2018).

[3] O IEFA é um inquérito à população sobre educação e formação de adultos, que inclui um conjunto de questões sobre  “participação em atividades culturais e sociais” (INE, 2007, pp. 3–4).

[4] As amostras dos inquéritos IEFA 2007, 2011 e 2013 são de 11.289, 14.189 e 14.211 indivíduos, respetivamente, sendo o universo constituído pela população residente em território nacional (Continente e Regiões Autónomas), com idades compreendidas entre 18 e 64 anos (IEFA, 2007), e com idades compreendidas entre 18 e 69 anos (IEFA 2011 e 2016) (INE, 2009, 2013, 2017).

[5] Para permitir a comparabilidade entre as três edições do IEFA, foram considerados os indivíduos com idades entre os 18 e os 64 anos.

[6] Os dados relativos a este indicador dizem apenas respeito aos inquiridos que exercem uma atividade profissional (em 2007, n válido = 7741; 2011, n válido = 7795; 2016, n válido = 8755). 

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